segunda-feira, 31 de julho de 2017

Franklin Martins: golpe blitzkrieg não conseguiu controlar o Brasil e está à deriva


Publicado no em: http://www.sjpmg.org.br

Os golpistas estão sem rumo. Tinham ilusão que tomariam o Brasil com um golpe blitzkrieg e resolveriam o problema da economia em seis meses, mas o Brasil é muito grande e complexo para ser tomado com um golpe blitzkrieg. Os golpistas perderam a bandeira da competência, perderam a bandeira da luta contra a corrupção e perderam a bandeira da legitimidade. O terrível é que eles estão no buraco e o país também está no buraco, o povo está no buraco. Tivemos uma redução dramática da atividade econômica. O golpe está à deriva, o barco está virando, cada dia que passa os golpistas estão mais fracos, as pessoas estão enxergando que têm muito mais a perder do que a ganhar com o golpe.

Esta análise foi feita pelo jornalista Franklin Martins durante o debate “Democracia e Golpes no Brasil: de Vargas a Jango”, realizado na Casa do Jornalista, na sexta-feira 7/7, do qual também participou o jornalista José Maria Rabêlo (foto). Na segunda 10/7, às 19h30, no Palácio das Artes, Martins participou do lançamento da segunda fase do Memorial da Democracia,  com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do segundo governo Lula (2007-2010), Franklin Martins é atualmente coordenador do Memorial da Democracia. Como jornalista, foi repórter, editor, comentarista político e chefe de redação, atuou em diversos veículos, dentre eles, jornal O Globo e Rede Bandeirantes. No debate, ele falou do jornalismo brasileiro e da situação política nacional. Tomando por base a pesquisa história do Memorial da Democracia, comparou os golpes de 2016 e 1964 e analisou a incapacidade da elite brasileira de aceitar a democracia de massas.
Democracia de massas
“Li um artigo do grande historiador mineiro José Murilo de Carvalho em que ele diz que o grande problema do Brasil é que a elite não aceita que o povo participe da política”, disse Franklin Martins.
Ele explicou que a partir de 1945 a participação popular na política dá um salto, inaugurando a democracia de massas. “O que acontece em 1945 não é redemocratização do país, porque o que existia antes de 1930 era oligarquia. Os números mostram isso, há crescimento vertiginoso do número de eleitores. Na eleição de Júlio Prestes, em 1930, votaram 1.830.000 eleitores. Em 1945, votaram 5.870.000, um crescimento de 220%”, exemplificou.
Nos 19 anos de democracia de massas, de 1945 a 1964, o partido que mais cresce é aquele que representava os trabalhadores, o PTB. “Nesse período, a classe média tem papel importante e os trabalhadores descobrem que precisam participar da política”, disse Martins. “Durante o Estado Novo, os trabalhadores conquistaram direito ao trabalho e direitos trabalhistas. A partir de 45 compreenderam que só assegurariam esses direitos se participassem da política. De 45 a 64, o PTB cresceu de forma impressionante, passando de 22 deputados eleitos em 1945 para 104 em 1962.”
É um período em que “as elites estavam meio perdidas”, não entendiam a participação dos trabalhadores na política. “Em 1950 Getúlio Vargas dá um banho eleitoral. As forças conservadoras não sabiam lidar com a democracia de massas. Cresce o antagonismo entre desenvolvimentismo e nacionalismo versus golpismo. É uma época de ebulição. A agenda conservadora é a mesma: como impedir a participação popular”, observou Martins.
Participação x golpismo
O aumento progressivo da participação dos trabalhadores na política é acompanhado de um crescimento do golpismo. Chamado de “anos dourados”, aquele período não é tão dourado assim, pois nele acontecem quatro golpes articulados pelo alto comando das Forças Armadas, em 54, 56, 61 e 64. “O golpe de 64 resolve o problema que a elite não conseguia resolver”, disse Franklin Martins.
“No fundo, qual a diferença fundamental entre esquerda e direita?”, perguntou o jornalista. “Para a direita, pobre é pobre porque merece ser pobre; para a esquerda, pobre é pobre porque não teve oportunidade.” Franklin Martins lembrou que pesquisa recente do Datafolha mostrou que 72% dos brasileiros concordam com a posição da esquerda: acham que pobre é pobre porque faltam políticas públicas que combatam a pobreza. “Apesar do golpe e do massacre midiático, as pessoas continuam pensando assim, esta questão é essencial”, frisou.
Martins disse que os golpes de 1964 e 2016 têm a mesma questão de fundo, a afirmação da direita de que só é possível governar para um terço da população, mas destacou que entre os dois golpes há uma diferença fundamental: o golpe de de 64 foi dado contra expectativas de mudanças e o golpe de 16 foi dado contra mudanças reais.
“Em 64, as mudanças não tinham acontecido. Este golpe agora tromba com a experiência de mudança da população brasileira”, observou. “Treze anos de mudanças extraordinárias demonstraram que o discurso conservador de que pobre merece ser pobre e que só dá para governar para um terço da população não é verdade. Povo não é estorvo, é um potencial da nação. Milhões entenderam isso. Não tenho dúvida de que foi uma experiência política extraordinária”, disse Martins.
Citando os programas Bolsa Família, Fies, Pronatec, Mais Médicos, transposição do Rio São Francisco, criação de mercado interno, desenvolvimento da indústria nacional e pré-sal, entre outros avanços do governo Lula, Martins ressaltou que contra cada um desses programas a elite se insurgiu e foi derrotada na luta política. “Eles perderam o discurso de que o povo não cabe no Brasil.”
Mesmo considerando o momento que o Brasil atravessa “extraordinariamente difícil”, Franklin Martins disse ser otimista. “Qual é a base da política? É a experiência das pessoas. E qual é a experiência dos brasileiros nas duas últimas décadas? Que o povo cabe na política e que o país é mais forte quando o povo participa.”
Para exemplificar como a situação política brasileira pode mudar, Franklin Martins citou a anticandidatura do deputado federal Ulysses Guimarães à presidência em 1974, durante a ditadura, quando o colégio eleitoral garantia a eleição do general governista. “Ulysses perdeu, mas ganhou”, disse Martins, lembrando que a anticandidatura foi um pretexto para que o líder emedebista percorresse o país pregando as bandeiras da oposição que vingariam nos anos seguintes.
O ex-ministro acredita que o apoio a Lula tende a crescer com o processo de perseguição que o líder petista está sofrendo. “Há dois sentimentos fortíssimos na política”, disse Martins. “O primeiro é o estelionato eleitoral. Isso aconteceu com Sarney, em 1988, com FHC, no segundo mandato, e com Dilma, no segundo mandato. O segundo sentimento é quando o cara que estava me defendendo foi atacado e eu não me mexi para defendê-lo. Foi o que aconteceu quando Getúlio Vargas suicidou.”
Regulação da mídia
Os governos do PT cometeram cinco erros, segundo Franklin Martins; o primeiro deles foi parar de fazer a disputa política com a intensidade necessária. “A partir de 2011 o governo passou a tratar questões políticas como se fossem técnicas”, disse. O segundo erro foi a política econômica: “Em vez de fazer um programa de investimentos, quando estava sobrando dinheiro, se caiu na desoneração fiscal, acreditando que os empresários iam investir, mas eles foram para o rentismo”.
Outro erro na política econômica, segundo Martins, foi não enfrentar a questão dos juros. “Demos um poder ao rentismo na sociedade que é inacreditável. Hoje temos deflação e juros de 8,5%. Dizem que vão viver de renda, mas o povo não pode viver de renda.”
O quarto erro foi não fazer a reforma política. “Quem manda nos partidos é o dinheiro. A direita é reacionária mas de burra não tem nada, sabe que se não ganha eleição tem que ter o Congresso. Como faz isso? Desidratando os partidos”, analisou Martins.
Um erro fundamental cometido pelo governo do PT diz respeito diretamente aos jornalistas: o governo abandonou o processo de democratização da mídia. “O debate tinha avançado e retrocedeu”, assinalou Martins. “O grande monopólio da mídia brasileira sempre foi tratado como se fosse uma coisa natural, as pessoas dizem que regulação é atacar a liberdade de imprensa. Não é. Tudo que é público tem regulação, a mídia não é assim em lugar nenhum do mundo.”
Franklin Martins acha que a discussão da regulação da mídia avançou durante o governo Lula, entrando na agenda política. “O governo Lula deixou preparado o processo de regulação. Avaliávamos que o governo Dilma ia tocar o processo, a razão pela qual não tocou só Deus sabe. Foi um erro”, disse, acrescentando que a esquerda amadureceu na discussão e abandonou a ideia de “controle social da mídia”.
Ele ressaltou que não é a favor da regulação da imprensa escrita, mas ponderou que radiodifusão é diferente, porque é concessão pública. “Eliminado o golpe, restabelecida a democracia, uma das primeiras coisas a fazer é uma televisão pública. Não é estatal, é pública”, enfatizou. Para ele, o golpe fez os brasileiros perceberem o grau de oligopolização e manipulação da mídia. Ao atacar o monopólio da Globo, Lula ajuda a popularizar a matéria. “Esta não é mais uma disputa de iniciados, passou a ser da sociedade”, disse.
Produzir informação
Para Franklin Martins, o problema vai além da regulação, tem a ver com a disputa política. A ideia de que o monopólio da mídia é “uma coisa natural” atinge também a esquerda, segundo o jornalista. “Por que a esquerda não tem um jornal forte? Getúlio Vargas tinha a Última Hora”, lembrou. Ele observou que a blogosfera progressista cumpre um papel crítico importante, mas insuficiente, porque não consegue ser produtora primária de informações, depende das notícias produzidas pela grande mídia.
Ele pregou a criação de instrumentos que produzam informação, como uma grande agência de notícias. “Não existe esquerda que cresça sem disputa política, sem produção primária de informação”, enfatizou. “Se queremos disputar, temos que produzir informação primária, para municiar a blogosfera, rádios e televisões comunitárias. Por que não sentamos e discutimos isso? Se esperarmos os partidos, isso não vai acontecer, porque essa não é uma questão prioritária para os partidos, isso dá porrada da mídia e não dá voto”, disse Franklin Martins.
Ele disse que estamos vivendo um momento muito difícil para o jornalismo no Brasil, não só pela situação econômica dos veículos, mas também porque há uma crise de credibilidade monumental.
“O que é o jornalismo? É um contrato entre o jornal e o leitor, que tem algumas obrigações: primeiro, coleta de informações equilibradas; segundo, produzir debate público qualificado; terceiro, de vez em quando, dar o que não se espera, surpreender; é o que faz um grande jornal. O que é o jornalismo no Brasil, hoje? Não faz nada disso. Estamos afundando, os jornalistas perderam a vontade de fazer jornalismo, porque não é para fazer. Há uma perda de identidade, porque a Globo quer mandar no país e não tem voto. Avançaram o sinal e não dá para voltar”, disse Martins. “Só sei de uma coisa: jornalismo, para ser bom, tem que ser inteiramente diferente do que está aí”, finalizou.
Memorial da Democracia
Memorial da Democracia é um trabalho extraordinariamente interessante e uma experiência riquíssima, segundo seu coordenador. “É um museu virtual, o museu vai a você, do Brasil inteiro, em qualquer lugar”, explicou Franklin Martins. “É um museu multimídia, não é só de texto. Dialoga com a juventude, não fica só na política e na economia, entra na questão cultural e no jornalismo”, disse, acrescentando que o Memorial da Democracia é muito útil para professores, pesquisadores e jornalistas.
Construído pelo Instituto Lula em parceria com o Projeto República, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Memorial da Democracia é um portal multimídia que disponibiliza conteúdos sobre a longa caminhada do país desde a Colônia até o século XXI em busca de democracia com justiça social. Dois módulos, contemplando os períodos de 1964 a 1985 e de 1985 a 2002, já tinham sido inaugurados.
“O que marcou minha geração foi a atitude diante da ditadura. Nós podíamos ser presos, torturados, mortos, mas não nos calávamos. A atitude era: ‘Não vou me calar, vou lutar contra ela’. Eu não aceitei viver debaixo de ditadura, hoje não aceito viver num governo que persegue”, disse Franklin Martins, numa referência à perseguição ao ex-presidente Lula e ao instituto que leva seu nome e que mantém o Memorial da Democracia.

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