terça-feira, 24 de outubro de 2017

Redemocratização do Brasil passa pelo fim do oligopólio midiático


Escrito por: Setor de Comunicação do MST
Fonte: MST
Historicamente a imprensa brasileira demonstra que não é guiada por valores democráticos, atuando de acordo com a descrição de Gramsci, como aparelhos privados de hegemonia das elites dominantes.
 
Concentrada por menos de dez grupos familiares, ligados às oligarquias industriais, agrárias e às elites políticas regionais e locais, a mídia se tornou um oligopólio de redes de comunicação com grande poder de intervenção na sociedade, buscando impor a hegemonia do capital.
 
Tendência inspirada no mercado midiático mundial, que na era da informação e da globalização amplia a desregulamentação neoliberal do setor. Dênis de Moraes (2013), alerta que informações do ranking da Fortune de 2012, sobre a receita mundial com mídia e entretenimento, dão conta de que apenas sete megagrupos, presentes em 200 países acumularam juntos em 2011, 145 bilhões de dólares. Quase sem regulamentação e sem restrições legais esses megagrupos se alastram pelos continentes.
 
Um exemplo disso no Brasil é a formação do oligopólio de comunicação mais poderoso do país, a Rede Globo. Criada no regime militar, com apoio de capital financeiro estrangeiro do grupo Time-Life se beneficiou e apoiou a ditadura brasileira, que perdurou por 21 anos e foi marcada pela perda das liberdades individuais e políticas, censura, perseguições, assassinatos e torturas. 
 
Um estudo da ONG Oxfam de 2017, revelou ainda que os três irmãos Marinho, donos do oligopólio midiático do grupo Globo, concentram uma fortuna superior a R$ 40 bilhões. Apenas os três irmãos Marinho, e mais cinco homens possuem juntos a mesma riqueza que mais de 100 milhões de brasileiros, que representam mais da metade da população do país. Segundo a revista Forbes, a fortuna acumulada pelos oito brasileiros mais ricos em 2016 é de R$ 285,8 bilhões. Os irmãos Marinho estão na sexta posição da lista empatados, cada um possui um patrimônio avaliado em R$ 13,92 bilhões. 
 
Este breve resgate histórico tem muito a nos ensinar quanto ao poder dos oligopólios de comunicação no Brasil de hoje. O desprezo dos oligopólios da mídia contra a democracia brasileira se torna mais evidente com o golpe contra à democracia que sem comprovação de crime afastou a Presidenta Dilma Rousseff (PT) do cargo, em agosto de 2016. Orquestrado pelo Congresso Nacional, em conluio com o judiciário e o apoio da imprensa, o golpe provocou uma ruptura na democracia que visa retirar direitos conquistados, barrar as políticas sociais e aprofundar o projeto neoliberal de concentração do capital e de privatizações no país.
 
A mídia oligopolista, principalmente o grupo Globo, atuou como protagonista central e articuladora do golpe, convocando a população às ruas para destituir a presidenta. O que gerou instabilidade e ameaça ao processo democrático. Portanto, ao contrário da sua função de defesa à liberdade de expressão da população brasileira e produção de informações voltadas ao interesse público, os megagrupos midiáticos e econômicos tentam impor à sociedade sua agenda política e econômica e controlar a comunicação de massa. Estando historicamente a serviço da concentração da terra mediante a defesa dos interesses dos latifundiários e do agronegócio, além de criminalizar as lutas sociais e atacar os direitos dos trabalhadores. 
 
Estes grandes oligopólios midiáticos estão atrelados ao poder econômico e político, se tornando o centro de difusão das políticas do governo golpista de Michel Temer, como da bancada ruralista que usa o lobby político e a contrapartida de sustentação do governo, para ampliar seu poder no Congresso Nacional impondo medidas criminosas e de retrocesso ao país, como o desmatamento e destruição da biodiversidade, o trabalho escravo, a venda de terras a estrangeiros, perdão de dívidas, massacres contra índios, quilombolas, Sem Terra e defensores/as dos direitos humanos, e são responsável pelo aumento da violência e do assassinato de trabalhadores rurais no campo. 
 
Assim, a grande mídia divulga informações descontextualizadas que confundem, restringem e impedem a consolidação da democracia brasileira. Por essas e outras questões, a luta pelo fim do monopólio e oligopólio de grupos midiáticos no Brasil e a construção de um sistema de comunicação de caráter público é central e urgente para os movimentos populares. Sem isso não é possível garantir o direito humano à comunicação e o direito à liberdade de expressão, negado desde sempre no país. 
 
A disputa da hegemonia dos oligopólios midiáticos também é necessária para combater a disseminação dos discursos de ódio contra a democracia e a criminalização das lutas populares e dos movimentos sociais. Sendo ainda fundamental exigir a democratização dos meios de comunicação para a visibilidade dos processos de mobilização dos trabalhadores, apresentação das demandas de luta e apoio da sociedade no enfrentamento aos retrocessos de direitos e na busca por transformações sociais como a Reforma Agrária Popular, reforma política, reforma urbana, entre outros.
 
A democratização da comunicação trata-se contudo de uma luta essencial para o fortalecimento e a amplitude da democracia, ou seguiremos vivendo dias obscuros e cada vez mais incertos para a classe trabalhadora brasileira. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017

Programação em Belo Horizonte


- 17/10 | Lançamento estadual do relatório “Um ano da campanha Calar Jamais!”
Horário: 15h
Local: Sala da Imprensa da Assembleia legislativa de Minas Gerais, Rua Rodrigues Caldas, 30 (Santo Agostinho)
- 17/10 | Jornalistas Livres convidam: sessão comentada do filme "Intervenção - Amor não quer dizer grande coisa"
Horário: 19h
Local: Ocupação Carolina Maria de Jesus, Av. Afonso Pena, 2300 (Funcionários)
Convidada/os:
Gustavo Aranda, diretor do filme e membro dos Jornalistas Livres
Poliana Souza, dirigente nacional do MLB (Movimento de Luta pelos Bairros, Vilas e Favelas)
Mediação: Agatha Azevedo, editora dos Jornalistas Livres
- 18/10 |Oficina de DeepWeb e práticas de segurança na internet, oferecida pelo Movimento Pirata Minas Gerais
Horário: 16h à 18h
Local: DCE da PUC-Minas, Prédio 21 da PUC Minas, Avenida Dom José Gaspar, 500 (Coração Eucarístico)
Com formador, João Moreno, especialista em software livre, hardware livre, criptografia e segurança digital.
- 19/10 |Ato público de rua: Pelo Direito à Comunicação em Minas Gerais!
Horário: 13h à 17h
Local: Praça da Liberdade
- 20/10 | Seminário “Os silenciamentos da mídia”, organizado pelo Grupo de Estudos em Mídia e Discurso (MíD) da PUC Minas e FNDC
Horário: 14h à 17h
Local: Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Avenida Alvares Cabral, 400 (Centro)
Convidada/os:
Angela Carrato (jornalista, professora da UFMG)
Danielle Sarah Oliveira (estudante secundarista)
Eliara Santana (jornalista, doutoranda em Análise do Discurso, PPGL PUC Minas, e bolsista CAPES)
Robson Sávio (professor da PUC Minas, membro da Comissão da Verdade)
- 21/10 | “Conversa com o FNDC” no Seminário de movimentos sociais do curso de Serviço Social PUC Minas
Horário: 9h30 às 11h
Local: Sala 216 prédio 47 PUC Minas, ICS instituto de ciências sociais. Avenida Dom José Gaspar, 500, (Coração Eucarístico)
Descrição: Palestra com Florence Poznanski, secretária geral do comitê FNDC-MG
- 21/10 | Roda de Conversa “Web, Mídia e resistência: pelo fim de todos os latifúndios”
Horário: 14hs
Local: a confirmar
Convidadas/os:
Margarida Salomão, Deputada Federal (PT/MG)
Aurea Carolina e/ou Cida Falabella, Vereadoras em Belo Horizonte (PSOL)
Um/a representante do movimento hacktivista (aguardar confirmação)
- 22/10 | 20° Plenária Estadual do FNDC-MG
Horário: de 9h às 18hs
Local: Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Avenida Alvares Cabral, 400 (Centro)
Formulário de inscrição: https://goo.gl/forms/pFqD4CaYv1kIHcqu1
- Roda de conversa na escola, como a mídia pauta o tema da maioridade penal. Atividade organizada pelo Fórum das juventudes
Data e horário: a confirmar
Local: a confirmar






sexta-feira, 6 de outubro de 2017

FNDC promove semana para denunciar violações à liberdade de expressão

 Escrito por: Redação FNDC

A Semana Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação 2017 acontece entre os dias 15 e 21 de outubro, em todo o país

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) promove, de 15 a 21 de outubro, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017. Debates, seminários, atos e atividades políticas e culturais estão marcadas em diversos estados, com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.

Na atual conjuntura, multiplicam-se casos graves de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, entre outras iniciativas que, no seu conjunto, contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamento em nosso país.

Para chamar atenção para essa escalada de violações, o FNDC, em parceria com diversas organizações da sociedade civil, lançou em outubro do ano passado a campanha “Calar Jamais!”. Por meio de uma plataforma online, a campanha tem recebido denúncias de violações à liberdade de expressão.

No dia 17 de outubro, durante a Semana Nacional, em Salvador (BA), será lançado o relatório de um ano de campanha, que destaca os principais casos constatados no período. Um ano após o início da "Calar Jamais!", também será um momento de mobilização e intensificação da luta em defesa do direito à comunicação no país. O lançamento acontecerá durante o seminário internacional preparatório para o Fórum Social Mundial (FSM) 2018.  
    
“Em tempos de avanço do conservadorismo e de ruptura democrática no Brasil, a liberdade de expressão acaba se tornando um dos primeiros alvos de ataque. O objetivo dessa campanha, lançada há um ano e que segue muito atual, é alertar a sociedade sobre a gravidade do momento em que vivemos”, afirma Renata Mielli, coordenadora-geral do FNDC.

As denúncias recebidas pela campanha também serão enviadas para organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, como o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Relatorias para a Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da ONU (Organização das Nações Unidas).

Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros. A programação completa organizada pelos comitês estaduais do FNDC será divulgada no portal do Fórum e nas redes sociais da entidade e de organizações parceiras.

Participe!
#CalarJamais
#LiberdadedeExpressão
#SemanaDemocom
#FNDC

Serviço

Semana Nacional pela Democratização da Comunicação
Data: 15 a 21 de outubro de 2017
Local: em todo o país
Informações:

Site: www.fndc.org.br
Facebook: https://www.facebook.com/fndc.br/
Twitter: @fndc_br
E-mail: secretaria@fndc.org.br

Neutralidade da rede segue violada no Brasil e na América Latina

Por Oona Castro*

Sivaldo Pereira da Silva**

Uma das características mais importantes da internet é a possibilidade de acessarmos ou publicarmos diversos tipos de conteúdos (vídeo, texto, áudio, imagem etc.) de forma livre, desde que isso não viole direitos de outras pessoas. Agora, imagine uma internet diferente, na qual as empresas que proveem acesso à rede teriam o poder de inspecionar onde você navega e tudo aquilo que você publica, cobrando preços distintos por isso. Neste cenário, para usar redes sociais, por exemplo, você precisaria contratar um plano específico. Baixar ou publicar vídeos e fotos também só seriam possíveis com pacotes adequados. E quem não tivesse recursos para pagar planos mais caros, teria de se contentar com o “básico”, só conseguindo, talvez, enviar e receber emails.

Ainda que esta descrição pareça bastante absurda, trata-se de um horizonte que poderia se tornar uma realidade se não fosse aquilo que chamamos de neutralidade de rede não fosse garantida por lei. A neutralidade de rede é um conceito consagrado mundialmente para designar o princípio segundo o qual todos os dados devem ser tratados de forma igualitária pelas empresas que fazem o serviço de conexão à internet. Isso impede uma operadora de banda larga ou de celular de fazer diferenciação de usuários, seja em razão da origem ou destino do dado (de onde vem e pra onde vai), seja quanto ao tipo conteúdo ou aplicação utilizada.

Quando a neutralidade de rede é garantida, as operadoras de telecomunicações são obrigadas a ser neutras em relação ao transporte de nossos dados na rede. Qualquer interferência neste livre trânsito, como dar prioridade ou o bloquear determinados sites, aplicativos ou conteúdos, caracteriza uma violação deste princípio.

Embora a neutralidade de rede esteja prevista e garantida por lei em diversos países, inclusive no Brasil, desde a aprovação do Marco Civil da Internet em 2014, ela tem sido sistematicamente violada na região, muitas vezes com o aval do próprio órgão ou ente regulador que deveria protegê-la. É isso o que revela o estudo “Neutralidade de rede na América Latina: regulamentação, aplicação da lei e perspectivas – os casos do Chile, Colômbia, Brasil e México”, lançado recentemente pelo Intervozes e pela organização chilena Derechos Digitales, com o apoio de entidades da Colômbia e México.

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O estudo mapeou os avanços e desafios da implementação deste princípio nos quatro países e identificou que, na maioria dos casos, os instrumentos normativos são contraditórios e confusos ou sustentam pouca ação das agências reguladoras em defendê-lo. Há situações ainda em que, apesar de formalmente garantir a neutralidade, a própria legislação, regulamentação ou o ente regulador fragilizam o princípio, seja por criar uma lista ampla de exceções que dão margem a interpretações incorretas ou mal intencionadas, seja por não prever uma forma consistente de fiscalização, não estipular claramente os procedimentos para abrigar denúncias ou simplesmente por não prever um sistema eficaz para aplicar punições às operadoras de telecomunicações.

Zero rating, o principal violador

Embora haja denúncias de bloqueios ou discriminação de tráfego de dados de modo mais direto, a principal forma de violação da neutralidade de rede são os planos de tarifa-zero, também conhecidos como zero rating. Tais planos são caracterizados pelas operadoras (principalmente de telefonia móvel) quando estas dão tratamento diferenciado a pacotes de dados de determinados sites ou aplicativos, privilegiando-os ao colocá-los como “serviços gratuitos”.

A prática de zero rating pelas empresas simula uma aparente vantagem para o consumidor, porém cria distorções ao priorizar alguns serviços em detrimento de outros. Tecnicamente, para favorecer um site ou aplicativo, uma operadora precisa lançar mão de ações discriminatórias, barrando determinados dados e liberando outros. Ou seja, para praticar a tarifa zero, a operadora viola a neutralidade de rede.

No Brasil, o Marco Civil da Internet e seu decreto regulamentador determinaram explicitamente a proibição de práticas anticoncorrenciais como esta. Nossa lei prevê apenas duas exceções para a quebra da neutralidade de rede. A primeira, em caso da necessidade técnica indispensável para gerenciar o fluxo de dados e garantir a prestação do serviço. Quando a rede está com uso intenso e congestionada, por exemplo, conteúdos de streaming (uma webconferência ou uma ligação de voz por IP) são tecnicamente prioritários frente a uma mensagem de email. Isso porque 20 ou 30 segundos de atraso em um e-mail não gera grandes danos, mas pode inviabilizar a comunicação numa transmissão ao vivo.

A outra exceção à neutralidade prevista do Marco Civil é a priorização de serviços de emergências. Por exemplo, em caso de uma catástrofe natural, pode ser necessário priorizar que mensagens vindas de determinadas áreas mais afetadas passem na frente no fluxo de dados; ou em caso de um caos generalizado e funcionamento precário da rede, apenas um tipo de mensagem pode ser priorizada (como mensagens instantâneas ao invés de vídeos), para garantir que as pessoas se comuniquem entre si e com autoridades. Em nenhum desses casos a prática de tarifa zero, que é uma ação comercial, se encaixa.

Apesar da sua ilegalidade, os planos de tarifa zero são abertamente oferecidos e divulgados pelas empresas no Brasil na forma de “promoções” que incluem acesso “gratuito” a ferramentas de mensagens instantâneas como o Whatsapp ou redes sociais como o Facebook. No Chile e a Colômbia, embora as leis defendam a neutralidade enquanto princípio e textualmente determinem que os pacotes de dados não sejam discriminados, os órgãos reguladores também ignoram essa afirmativa e permitem explicitamente o zero rating. No México, o estágio de regulamentação é menos avançado e não há legislação que se detenha sobre o tema.

A omissão dos órgãos reguladores
A omissão ou a interpretação enviesada de corporações privadas e também de entes reguladores é um problema comum nos países estudados. No Brasil, por exemplo, segmentos empresariais defendem que a oferta gratuita de acesso a alguns aplicativos específicos não geraria prejuízo, já que o consumidor poderia usar os dados restantes de seu pacote para acessar outros sites. Nesta linha de raciocínio, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) considerou a prática de zero rating legítima no Brasil.

Organizações de defesa do consumidor, como a Proteste, estão recorrendo da decisão do Cade, argumentadno que o caso foi encerrado sem julgamento e sem que o órgão ouvisse a opinião de organizações como o Comitê Gestor da Internet e a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça. O Ministério Público Federal também já entrou com denúncia contra a oferta desses planos.

No Chile, ocorreu algo semelhante. Pedro Huichalaf, ex-subsecretário de Telecomunicações daquele país, legitimou a prática da tarifa zero afirmando que, se o usuário tem um plano de dados e a operadora oferece um acesso sem custo, ali não há violação do princípio da neutralidade da rede. Para ele, o problema só existiria se o acesso a determinadas aplicações fosse permitido para quem não tem qualquer plano de dados contratado.

Além de menosprezar a questão técnica, a argumentação também ignora a concentração de audiência em alguns aplicativos gerada pela oferta diferenciada de serviços, e as consequências dessa prática para a livre concorrência e a inovação tecnológica. Afinal, privilegiar o acesso a determinados sites e aplicações via sua “gratuidade” cria um círculo vicioso no qual só aqueles com grande número de usuários ou maior poder econômico conseguem expandir suas bases, perpetuando a concentração e diminuindo a diversidade de acesso à fontes distintas.

Fato é que, enquanto as operadoras que disputam lugar no mercado querem ter a liberdade de lançar mão desse tipo de oferta, fortalecendo o hábito de uso de dados de internet por sua base de clientes e disputando novos consumidores, e as aplicações também tem interesse em ampliar seus usuários e o tempo que eles passam em suas plataformas mobile, os órgãos reguladores parecem não querer mexer nesse vespeiro.

Embora o princípio da neutralidade seja fundamental para evitar que um pequeno grupo de agentes determine privilegiados e desprivilegiados na rede – garantindo assim um ambiente aberto e isonômico, melhor para todos – determinar o fim de ofertas de dados gratuitos parece, num primeiro momento, uma medida deveras impopular. Mas ela é necessária.

Recomendações
Indo além da prática de tarifa zero, no que se refere a violações da neutralidade via bloqueios ou degradação de dados, com exceção da Colômbia, todos os países registraram denúncias. Porém, nenhum deles possui uma capacidade fiscalizadora desenvolvida e ativa para acompanhar de perto as operações técnicas das empresas. Como dizer se a sua ligação em um programa de voz sobre IP com o Skype, por exemplo, caiu porque a conexão falhou casualmente ou porque foi derrubada por um robô propositalmente?

Por isso, uma das recomendações indicadas pela pequisa é incentivar o desenvolvimento de ferramentas que contribuam para a fiscalização, pelos usuários e pelos órgãos reguladores, da efetivação do princípio da neutralidade de rede. Outra recomendação é subsidiar o Judiciário com informações técnicas relevantes para as tomadas de decisão, a fim de construir uma jurisprudência de acordo com a legislação e com a proteção ao direito do consumidor.

Apoiada pela AccessNow, a pesquisa foi coordenada pelo Intervozes no Brasil e Derechos Digitales no Chile. Participaram também a Fundación Karisma, da Colômbia, e R3D, do México. A íntegra do estudo pode ser acessada aqui.


* Oona Castro é jornalista e coordenadora de conteúdo no Instituto Nupef.

**Sivaldo Pereira da Silva é doutor em Comunicação, com pós-doutorado em Democracia Digital, e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

Ambos são associados do Intervozes e coordenaram a pesquisa sobre neutralidade de rede citada neste artigo.