terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A transmissão de julgamentos

Por Dalmo de Abreu Dallari em 18/12/2012

A transmissão dos julgamentos dos tribunais feita ao vivo, pela televisão, tem grande possibilidade de influir sobre a atitude dos julgadores e, em última análise, sobre o próprio resultado do julgamento, podendo ser responsável pelo comprometimento da justiça da decisão.

 E aqui pesa o fator humano, a circunstância de que na formação de suas convicções e na tomada de suas decisões a pessoa humana pode sofrer múltiplas influências. E entre estas tem relevância, óbvia e inevitável, o fato de que o julgador sabe que está sendo visto e avaliado por milhões de pessoas, na maioria pessoas sem formação jurídica, sem conhecimentos teóricos do direito e muitas vezes influenciadas por uma persistente e tendenciosa campanha de imprensa, que transmite a ideia de que só será justa decisão condenatória que atinja direta ou indiretamente os personagens de determinado espectro político.

A par disso, a experiência tem deixado muito evidente que a grande publicidade provoca deslumbramento. Assim é que muitas pessoas, homens e mulheres, fazem e dizem coisas absolutamente ridículas, até mesmo expondo-se ingenuamente, em busca de publicidade, aplicando-se aqui o velho brocardo “falem mal, mas falem de mim”.

 Isso tem sido atribuído a políticos em busca de notoriedade a qualquer custo, mas o que se tem visto é que pessoas das mais diversas atividades sociais, mesmo pessoas consideradas cultas e bem situadas na escala das autoridades públicas, são suscetíveis dessa verdadeira “armadilha psicológica”. E não é raro que pessoas muito rigorosas na condenação de outras que se deixaram pegar na armadilha da publicidade acabem sucumbindo à mesma armadilha, reproduzindo os comportamentos que antes condenaram com grande veemência.

 Excessos e desvios 

Um exemplo bem atual e evidente dessa dualidade tem por atores dois personagens altamente situados no Poder Judiciário brasileiro. Em abril de 2003, quando ocupava o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes era presença constante no noticiário da imprensa, na maioria das vezes por puro exibicionismo, sem nada de relevante para transmitir, às vezes fazendo críticas e acusações grosseiras a outros agentes públicos, inclusive a membros do Judiciário, sem continência verbal e sem qualquer compromisso com o interesse público.

 Esse comportamento, muito reiterado, foi severamente criticado em declarações à imprensa feitas por outro ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, esses dois personagens travaram, em público, um áspero diálogo, que foi reproduzido pela imprensa. Depois de acusar Gilmar Mendes de excesso publicitário, disse textualmente Joaquim Barbosa: “Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário”.

 O que se viu mais recentemente foi o acusador daquela época sucumbindo ao mesmo deslumbramento, caindo na mesma armadilha, agredindo com palavras exageradamente ásperas outros integrantes do Supremo Tribunal que discordaram de algumas de suas posições. E depois deixando evidente sua grande satisfação pela grande popularidade resultante da divulgação de suas diatribes pela imprensa.

Por tudo isso – e por muito mais que poderia ser acrescentado – é absolutamente necessário que a mídia reavalie seu papel e sua responsabilidade quanto ao Poder Judiciário e aos magistrados em geral, mas, sobretudo, quanto aos julgamentos dos Tribunais Superiores, para que os excessos e desvios da imprensa não acabem comprometendo a serenidade, o equilíbrio e a prudência que devem ser preservados quando se busca a realização da Justiça.

 Discreta e imparcial 

 Vem a propósito relembrar as palavras do ministro Teori Zavascki, o mais novo integrante do Supremo Tribunal Federal. Falando especificamente da transmissão dos julgamentos pela televisão, disse o eminente magistrado que, a par de alguns pontos que podem ser considerados positivos, essa transmissão tem importantes pontos negativos que é preciso considerar. “Um ponto negativo é o excesso de exposição que às vezes não colabora para um julgamento tranquilo, sereno.” E concluiu dizendo não ser contrário à publicidade dos atos judiciais, que é imposição constitucional, mas recomendando que seja repensada essa prática, considerando que “entre publicidade e transmissão ao vivo tem um meio caminho”, que deve ser considerado a bem da Justiça (O Estado de S.Paulo, 20/11/2012, pág. A6).

Pode-se concluir que a imprensa presta um serviço relevante quando dá notícia dos julgamentos, sintetiza a argumentação dos julgadores e informa sobre as conclusões. Mas além de ser necessário o tratamento desses temas por profissionais adequadamente preparados e verdadeiramente independentes para a seleção e exposição dos argumentos de todas as partes envolvidas e para a síntese das conclusões, é absolutamente necessária a divulgação discreta e imparcial, para que o julgamento pelo Judiciário não seja tratado como uma competição esportiva, comentada sob o ângulo que privilegie o competidor preferido pelos dirigentes da imprensa.

 *** [Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo] 
Terça-feira, 18 de Dezembro de 2012 | ISSN 1519-7670 -
Ano 17 - nº 725 Jornal de Debates ECOS DO MENSALÃO

domingo, 9 de dezembro de 2012

Confira vídeo sobre liberdade de expressão e marco regulatório da comunicação no Brasil


Vídeo sobre liberdade de expressão e marco regulatório da comunicação no Brasil.
Pessoas diversas recitam o texto em cordel da Peleja do Marco Regulatório.
Produzido para a campanha Para Expressar a Liberdade (www.paraexpressaraliberdade.org.br)
Direção: Dea Ferraz; Produção: Laura Lins; Fotografia: Luiz Henrique; Som: Rafa Travassos; Realização: Centro de Cultura Luiz Freire; Apoio: Fundação Ford

A peleja comunicacional de Marco regulatório e Concessão Pública na terra sem lei dos coronéis eletrônicos
Por Ivan Moraes Filho, com mote de João Brant e contribuições de Ricardo Mello

Não sei se tu já pensasse ligando a televisão
Num dia desse qualquer xingando a programação
Sentada no seu sofá
Numa preguiça do cão
Por que tudo é tão igual?
Como as pessoas não são
Sempre o mesmo sotaque é quem dá informação
 E se alguém fala ‘oxente’ pode ver que é gozação
 Pega o controle remoto vai de botão em botão procurando um bom debate ou uma contradição pense num troço difícil nessa radiodifusão
Agora liga teu rádio e presta bem atenção vai girando o pitoquinho ouvindo cada canção duvido que tu encontre som da tua região
Se fosse ver de verdade como as coisas certas são era mudar de canal e saber outra versão seja do crime ou do jogo e até da votação
 A emissora é quem ganha direito de transmissão tá ali porque o Estado lhe cedeu uma concessão que lhe dá algum direito mas também obrigação
 Só que devia ter regra não é brincadeira não garantir a todo mundo liberdade de expressão pelo menos é o que fala nossa Constituição
 Só que lá só tem artigo
Indicando a intenção
Ficam faltando as leis que garantam ao cidadão poder se comunicar e falar sua razão
Essas leis tudo juntinha podem vir num pacotão
O Marco Regulatório para a comunicação tá atrasado faz tempo
 Mas não dá pra abrir mão
Ah, quando Marco chegar vai trazer transformação pra rádio comunitária vai mudar legislação que é pro povo perseguido se livrar da opressão
Sistema público forte vai ganhar mais dimensão com seu lugarzinho guardado vai ter mais programação
Se duvida de audiência
Me responda: por que não?
Promover diversidade fim da discriminação de cor, de raça, etnia de credo ou de geração de lugar ou de riqueza gênero ou religião
 E esse tanto de gente
Que só usando o bocão Foi tomar conta de rádio também de televisão
Usando o meio prum fim ter força na eleição
Isso vai sair tudinho Marchando em pelotão
E Marco também proíbe de se fazer transação pois o canal é do povo o seu dono é a nação
 Na hora de renovar essa dita concessão
 Não vai ser caldo de cana
Tem que fazer discussão Porque não tem no canal lei de usucapião
Serviço de internet banda larga sempre à mão
Podendo também entrar em forma de concessão um jeito de garantir universalização
 E com a propriedade dos meios de difusão
Nem vertical nem cruzada pra acabar concentração vamos democratizar pra toda população
E pense que a propaganda que vive dando lição também tá necessitando de uma legislação sabendo que as crianças precisam de proteção
 Reclame de vinho ou pinga do litoral ao sertão brinquedo ou sanduíche bonequinha ou caminhão não pode ser para o filho de Maria ou de João
E a grana que o governo gasta com a produção de tanto comercial e mais veiculação será que não precisava de mais fiscalização?
 Por isso tem os conselhos que vão ter essa função
Tomar conta do Estado em toda a federação lutando por um direito que é à comunicação
Ah, mas pra Marco chegar precisa fazer pressão
Congresso compreender que eles têm uma missão ou representam o povo ou repassam o bastão
Mas se a gente não se mexe
Espera tudo na mão
Aí fica mais difícil de Marco botar queixão
Não muda nada, nadinha fica como tá então
Democracia se faz é com participação
Cada pessoa ligada sem aceitar a invenção que seu direito de escolha é ver Gugu ou Faustão
 Então essa é a peleja pela comunicação
Mostrando a cara da gente cidadã e cidadão que junte o Marco da lei trazendo transformação
Que venha com alegria que faça a democracia em rádio e televisão dê lugar à diferença garanta à gente presença na hora da decisão


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

João Pedro Stédile, líder do MST, critica governo Dilma: "ela está mal-assessorada"



O MST faz em todo o país desde o início do mês protestos contra a lentidão nos processos de assentamento de famílias de agricultores. Segundo os últimos dados disponíveis do Incra, o governo assentou 11 mil famílias, 30% da meta estabelecida para esse ano. Heródoto Barbeiro recebeu o líder do MST, João Pedro Stédile, para comentar a situação.


Em conversa com Heródoto Barbeiro,  João Pedro Stédile afirmou que a medida incorporaria um potencial de mão de obra para produzir riqueza e progredir na sociedade brasileira.

sábado, 17 de novembro de 2012

Eduardo Galeano

Celebrado escritor uruguaio realizou a conferência de encerramento do congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), realizado na capital mexicana, em que tratou do tema “Os direitos dos trabalhadores: um tema para arqueólogos?”. Em sua fala, Galeano demonstrou como esses direitos são resultado de uma árdua luta com 200 anos de história, mas têm sido cada vez mais violados por governos e grandes corporações. Marcel Gomes

Publicado em:  http://www.cartamaior.com.br

Cidade do México – O escritor uruguaio Eduardo Galeano encerrou na noite de sexta-feira (9) o congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), realizado na capital mexicana, com uma concorrida conferência pautada em um tema caro para os cientistas sociais: a decadência do mundo do trabalho.

Intitulada “Os direitos dos trabalhadores: um tema para arqueólogos?”, a intervenção de Galeano, assistida por ao menos mil pessoas, que lotaram auditório e salas anexas do hotel onde acontecia o congresso, foi construída como um “mosaico” de histórias essenciais sobre os “200 anos de lutas dos trabalhadores do mundo”.

A maior parte delas está disponível no último livro do escritor, “Os filhos dos dias", lançado neste ano no Brasil. Galeano tratou, por exemplo, da greve operária de Chicago em primeiro de maio de 1886, violentamente reprimida pelas forças de segurança. A data tornou-se o Dia do Trabalho em muitos países, mas não nos Estados Unidos.

“Há sete ou oito anos estive em Chicago e pedi aos amigos que me receberam que me levassem onde aconteceram os protestos. Mas me surpreendi porque eles não conheciam a história”, disse ele. “Só recentemente recebi uma carta deles contanto que tinha acabado de haver uma manifestação na cidade, para lembrar as greves daquela época”, completou.

O escritor, de 72 anos e mundialmente conhecido pela obra "As veias abertas da América Latina", também lembrou o médico italiano Bernardino Ramazzini (1633-1714), precursor da medicina do trabalho. Segundo o uruguaio, o médico natural de Pádua escreveu o primeiro tratado do gênero, vinculando tipos de ocupações laborais com enfermidades específicas.

“Mas ele também escreveu que pouco poderia ser feito com as condições de vida daquelas pessoas, que comiam mal e trabalhavam de sol a sol”, afirmou. Ainda sobre a dureza do trabalho, Galeano lembrou que em 1998 a França reduziu a jornada a 35 horas por semana, mas a medida já foi desfeita.

“Era o sonho de Thomas Morus. Para que servem as máquinas, senão para ampliar nossos espaços de liberdade? Mas acabou em apenas 10 anos. Para o trabalhador, restou desemprego e angústia”, disse o uruguaio, lembrando a crise financeira global iniciada em 2008.

Galeano ainda citou o pouco interesse dos países e grandes empresas pelos 189 acordos e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos quais só 14 foram ratificados pelos Estados Unidos.

“Justamente o país em que o primeiro de maio não é celebrado”, destacou. Ao encerrar sua participação, Galeano contou a história de Maruja, trabalhadora doméstica e moradora de Lima, no Peru, também disponível em seu último livro. É esta que segue:


"Marzo, 30, Día del servicio doméstico"

"Maruja no tenía edad.
De sus años de antes, nada contaba. De sus años de después, nada esperaba.
No era linda, ni fea, ni más o menos.
Caminaba arrastrando los pies, empuñando el plumero, o la escoba, o el cucharón.
Despierta, hundía la cabeza entre los hombros.
Dormida, hundía la cabeza entre las rodillas.
Cuando le hablaban, miraba el suelo, como quien cuenta hormigas.
Había trabajado en casas ajenas desde que tenía memoria.
 
Nunca había salido de la ciudad de Lima.
Mucho trajinó, de casa en casa, y en ninguna se hallaba. Por fin, encontró un lugar donde fue tratada como si fuera persona.
A los pocos días, se fue.
Se estaba encariñando."


* Viagem realizada a convite do Clacso


FENAJ lança relatório de violências contra jornalistas e Comissão Memória, Verdade e Justiça

Publicado em: http://www.fenaj.org.br/
 
Em solenidade realizada no dia 10 de novembro, durante o 35o Congresso Nacional dos Jornalistas, a FENAJ lançou o relatório “Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil 2011”, elaborado por sua Comissão de Direitos Humanos e anunciou os preparativos para a instalação da Comissão Nacional “Memória, Verdade e Justiça” dos jornalistas, que visa colher informações e depoimentos sobre jornalistas agredidos na ditadura militar a serem, posteriormente, encaminhados à Comissão Nacional da Verdade do Governo Federal.

"Os autores dos crimes, por quererem calar aquele que por ofício denuncia, revela e exige justiça, quase sempre representam o surgimento de um estado dentro do estado. Uma espécie de pára-estado que, à revelia da lei e da justiça, julga e justicia aqueles que incomodam seus interesses. A morte de jornalista é o início da morte do estado de direito", sentencia o presidente da FENAJ, Celso Schröder, na apresentação do relatório “Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil 2011”.

O documento, distribuído aos Sindicatos de Jornalistas e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entre outros órgãos federais e internacionais, registra 60 casos de violências contra jornalistas praticadas em 2011. Delas constam 24 agressões físicas e verbais, 10 ameaças, 6 assassinatos, 3 atentados, 7 censuras e processos judiciais e 3 casos de detenção e tortura. O estado "campeão" em número de registros foi o Pará, com 9 casos, seguido de São Paulo, com 8 registros. Entre os temas que motivaram a violência contra jornalistas no país, destacaram-se as denúncias contra políticos ou contra a administração pública, com 16 registros.

Presente na solenidade onde também foi anunciada a criação da Comissão Nacional “Memória, Verdade e Justiça” dos jornalistas, Gilney Viana, assessor especial da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da SDH, exibiu um documentário produzido em 2009, alusivo aos 30 anos da anistia, com imagens inéditas do período da ditadura. Nos debates, destacou-se que, apesar da ampla campanha Nacional pela Anistia Geral e Irrestrita, a Lei da Anistia aprovada foi um acordo das elites que não reparou os crimes cometidos contra os ativistas políticos e seus familiares que foram vitimas da repressão e isentou os autores e mandantes da violência de Estado.

Os trabalhos da Comissão Nacional “Memória, Verdade e Justiça” dos jornalistas serão coordenados pelo diretor da FENAJ, Sérgio Murillo de Andrade. Entre os nomes cotados para compor a Comissão estão Audálio Dantas, Carlos Alberto Oliveira (Caó), Nilmário Miranda e Rose Nogueira. Após consulta aos indicados, a FENAJ fará o lançamento oficial da Comissão. A expectativa é de que o levantamento esteja concluído até agosto de 2013.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Perfil do Jornalista Brasileiro



Pesquisa de Perfil do Jornalista Brasileiro abre questionário

Está aberto o questionário da pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro. Você pode participar e preencher o questionário clicando aqui. Os resultados obtidos com a participação espontânea dos profissionais serão comparados a dados colhidos por telefone ou email junto a 1.102 jornalistas, uma amostra selecionada entre mais de 92 mil nomes de registrados em funções jornalísticas, em relações fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Agradecemos pela colaboração!

Survey para traçar o perfil dos jornalistas começou em setembro

A partir de 15 de setembro, os jornalistas brasileiros participam do mais amplo levantamento sobre o perfil da profissão já feito no país, respondendo um questionário detalhado disponível na internet. O projeto de pesquisa, do Núcleo de Estudos sobre Transformações no Mundo do Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (TMT/UFSC) tem o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e da Associação Brasileira de Pesquisadores do Jornalismo (SBPJor).
Os resultados obtidos com a participação espontânea dos profissionais serão comparados aos dados colhidos junto a 2.204 jornalistas, uma amostra selecionada entre mais de 92 mil nomes de registrados em funções jornalísticas, em relações fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. É a primeira vez que se realiza uma pesquisa com jornalistas baseada em amostragem estratificada.
“O uso de internet para a realização de pesquisas quantitativas ainda é recente”, observa o coordenador da pesquisa, o professor Jacques Mick, do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC. “Não temos como saber, a priori, se a participação espontânea dos jornalistas com acesso à internet corresponderá à distribuição do conjunto da categoria. Por isso, optamos por comparar os dados obtidos por meio de duas estratégias distintas de pesquisa”, explica.
A equipe de pesquisa, formada por professores e alunos de graduação, mestrado e doutorado, desenvolverá ações de divulgação do link para o questionário por email, redes sociais e sites de notícias. Fenaj, FNPJ e SBPJor ajudarão a divulgar o calendário de pesquisa.  Os jornalistas registrados que integram o plano amostral serão localizados pela internet ou por telefone e convidados a participar.

Brasil tem 145 mil jornalistas registrados

O número de jornalistas com registro profissional no Brasil mais que dobrou na primeira década de 2000, em relação aos 20 anos anteriores, e alcançou 145 mil em dezembro de 2011. A estimativa é do projeto de pesquisa “Perfil profissional do jornalismo brasileiro”, que teve acesso a duas relações de registrados, fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com 92 mil nomes ao todo.
O total refere-se à soma de duas estimativas: a primeira delas calculou em 52,9 mil o volume de registros em funções jornalísticas no Brasil efetuados entre 1980 e 2000; a segunda avaliou em 92,5 mil o número de trabalhadores que obtiveram registro entre 2000 e 2011. As estimativas são inevitáveis porque um sistema digital de controle dos dados só foi adotado pelo Ministério em meados dos anos 2000, com ritmos de implantação distintos de estado a estado.
Para a projeção dos registros feitos antes de 2000, adotou-se como base a numeração inicial dos registros por estado, na primeira menção indicada numa relação de registrados entre 2000 e 2011 fornecida pelo MTE. Como em praticamente todos os estados os registros são efetuados em ordem numérica, estimou-se que, desde o início dos registros até o princípio dos anos 2000, haviam sido registrados 84,5 mil jornalistas no país. Nessa relação, com 22,8 mil nomes, foi analisada a distribuição percentual dos registros por década, a partir de 1930, e traçada uma linha de corte em 1980, entendendo que seriam exceções os casos de profissionais com mais de 30 anos de exercício (de 1980 a 2010). Constatou-se que 32,23% tinham se registrado nos anos 1980 e 30,40%, nos anos 1990: aplicados os índices à estimativa de total de registros, chegou-se ao número de 52,9 mil registros efetuados entre 1980 e o início dos anos 2000.
A listagem de registrados entre 2000 e 2011, embora mais completa que a anterior, também não contém todos os nomes. Assim, a equipe de pesquisa avaliou estado por estado a distribuição dos nomes e números de registros, para identificar as variações e projetar em 92,5 mil o total aproximado de jornalistas registrados no país durante esses 12 anos.

Amostragem
Com base nas listas de registrados, a equipe do projeto colheu uma amostra aleatória, com 2.204 nomes, que, de setembro a dezembro deste ano, serão localizados e convidados a responder um questionário publicado na internet, destinado a traçar o perfil da categoria. O questionário é de acesso livre a qualquer jornalista interessado em participar do levantamento. Os resultados da amostra serão comparados ao conjunto das respostas.

Categoria
O número de registrados é uma aproximação às dimensões atuais da categoria. As próximas etapas do projeto de pesquisa permitirão depurar, do total de registrados, os trabalhadores que continuam a atuar como jornalistas. Além desses, a pesquisa de perfil, com questionário  aberto via internet, poderá permitir a estimativa de quantos jornalistas atuam sem registro profissional (com ou sem formação específica em Jornalismo). Só então será possível ter uma dimensão mais precisa de quantos são os jornalistas brasileiros.

Etapa I – Quantos são os jornalistas brasileiros?

Aqui você encontra mais informações sobre o projeto de pesquisa Perfil Profissional do Jornalismo Brasileiro, coordenada por professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC e da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
O site está dividido em tópicos, nos quais você poderá ter aceso aos detalhes do Projeto (Objetivos, Metodologia, Justificativa, Problemática e Revisão Bibliográfia e Equipe), aos dados recolhidos e quantificados (Egressos, Registrados, Sindicalizados e Resultados) e ao Questionário que será aplicado aos jornalistas brasileiros no segundo semestre de 2012.


Publicado em:  http://perfildojornalista.ufsc.br/

SIP, uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia



A 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada de 12 a 17 de outubro, em São Paulo, mostrou mais uma vez que essa entidade, que na prática funciona como um sindicato dos donos dos grandes conglomerados de comunicação, representa hoje uma das mais graves ameaças à liberdade de expressão na América Latina. A SIP e seus dirigentes, aliás, têm uma longa e sólida ficha corrida de serviços prestados à violação de liberdades e de apoio a governos golpistas na região. Editorial da Carta Maior.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Boas razões para a presidenta Dilma não ter ido à SIP


As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas. Estes veículos, mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez (2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam como uma aliança intercontinental do conservadorismo. O artigo é de Breno Altman.

(*) Artigo publicado originalmente no Opera Mundi

O dirigente do Grupo Estado, Júlio César Mesquita, não escondeu sua frustração. Diante da cadeira vazia na cerimônia de abertura da 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, comparou a atitude da atual presidente a de seus antecessores, Ernesto Geisel e Fernando Collor, nos dois convescotes da agremiação anteriormente por aqui realizados.

A comparação pode ser estapafúrdia, mas o rancor tem sua razão de ser. As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas.

Apesar de sua administração manter intactos os privilégios dos monopólios de imprensa, a presidente pode ter sido eloquente ao dar silencioso bolo no evento dos marajás da informação. Como não foram tornados públicos os motivos dessa decisão, é natural que provoquem especulações. Uma abordagem possível remete à trajetória da associação. A SIP, afinal, congrega a fatia mais ativa e influente das elites continentais, com expressiva folha de serviços prestados às ditaduras.

Fundada nos EUA em 1946, a entidade teve papel fundamental durante a Guerra Fria. Empenhou-se com afinco a etiquetar como “antidemocráticos” os governos latino-americanos que não se alinhavam com a Casa Branca. Constituiu-se em peça decisiva do clima psicológico que antecedeu levantes militares no continente entre os anos 60 e 80.

Entre seus membros mais proeminentes, por exemplo, está o diário chileno El Mercurio, comprometido até a medula com a derrubada do presidente constitucional Salvador Allende, em 1973, e a ditadura do general Augusto Pinochet. Outros grupos filiados são os argentinos La Nación e El Clarín, apoiadores de primeira hora do sanguinário golpe de 1976.

A lista é longa. O vetusto matutino da família Mesquita, O Estado de S.Paulo, também foi adepto estridente das fileiras anticonstitucionais, clamando e aplaudindo, em 1964, complô contra o presidente João Goulart. Mas não foi atitude solitária: outras empresas brasileiras de comunicação, igualmente inscritas na SIP, seguiram a mesma trilha.

Seus feitos, porém, não fazem parte apenas da história. Estes veículos, mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez (2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam, a bem da verdade, como uma aliança intercontinental do conservadorismo.

Às vésperas das eleições de 2010, em julho, o então presidente da SIP, Alejandro Aguirre, afirmou que Lula “não poderia ser chamado de democrata” e o incluiu entre os líderes que “se beneficiam de eleições livres para destruir as instituições democráticas”. Seu objetivo era evidente: como porta-voz dos barões da mídia, queria colaborar no esforço de guerra contra a condução de Dilma Rousseff, pelo sufrágio popular, ao Palácio do Planalto.

A SIP, no entanto, vai além de movimentos pontuais, ainda que constantes, para a desestabilização das experiências de esquerda. Trata-se de um laboratório para estratégias de terceirização política dos Estados nacionais, na qual as corporações privadas de imprensa ditam a agenda, articulam-se com esferas do poder público e se consolidam como partidos orgânicos da oligarquia.

Diante deste inventário de símbolos e realizações, fez bem a presidente ao se recusar a emprestar o prestígio de seu mandato e a honradez de sua biografia. Ainda mais em um momento no qual sócios nacionais da associação animam julgamento de exceção contra dirigentes históricos de seu partido e integrantes de proa do governo Lula.

Oxalá esse gesto possa dar início a uma batalha firme pela democratização da imprensa e a adoção de marco regulatório que rompa com o feudalismo midiático.

(*) Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Contraponto à assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)

De 12 a 16 de outubro, no Hotel Renaissance, na região da Avenida Paulista, ocorrerá a 68ª assembleia geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) - que retorna ao Brasil após onze anos. Esta entidade reúne os principais barões da mídia do continente e é uma inimiga declarada de qualquer avanço na democratização dos meios de comunicação. O evento servirá de palanque para ataques contra as mudanças legislativas que ocorrem na região, sempre com o falacioso pretexto da defesa da liberdade de expressão. Na prática, a SIP defende a liberdade dos monopólios e é contra a verdadeira liberdade de expressão. Entre os convidados brasileiros, estão previstas as participações do ex-presidente FHC e - pasmem, da presidenta Dilma Rousseff. Não podemos nos omitir diante deste evento continental. É preciso organizar um contraponto às posições da SIP e em defesa da democratização da comunicação na região. Para definir que iniciativas devemos tomar, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e a Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e pela Liberdade de Expressão (Frentex) está chamando para uma reunião preparatória para esta quarta-feira (3), às 18 horas, na sede do Centro de Estudos Barão de Itararé (Rua Rego Freitas, 454 - 1º andar - conj. 13, República - São Paulo/SP). Participe. Ajude a espalhar este convite.

sábado, 29 de setembro de 2012

O desmantelamento do estado de bem estar social é o DNA do capitalismo. Entrevista especial com Ruy Braga


“Há um retrocesso da solidariedade da classe estruturada durante o período fordista, e um avanço de um projeto de sociedade marcadamente individualista e neoliberal, um individualismo esvaziado de solidariedade, profundamente marcado pela concorrência com os diferentes atores”, diz o sociólogo.

Confira a entrevista.


“As políticas de austeridade derivam de uma tentativa de transferir o ônus econômico para as classes trabalhadoras”, frisa o sociólogo Ruy Braga, ao comentar o desmantelamento do Estado de bem-estar social nos países europeus que enfrentam a crise econômica. Segundo ele, para diminuir os prejuízos do capital financeiro, o Estado nacional assume “ônus de socializar as perdas entre as classes sociais subalternas”.

Na avaliação de Braga, a crise atual é de natureza política e econômica e se manifesta de “forma mais ou menos aguda desde meados da década de 1970”. Os pacotes de austeridade impostos pela Tróika apontam para “a questão de que o capitalismo não é capaz de resolver essa dupla contradição, ou seja, integrar os trabalhadores e ao mesmo tempo protegê-los. Essa foi uma ilusão do capitalismo pós-guerra, especialmente na Europa”, enfatiza o sociólogo em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

A solução da crise e a manutenção dos direitos sociais dependem do resgate do internacionalismo. “É importante o pensamento de esquerda ter presente que a crise portuguesa não será resolvida em Portugal, que a crise espanhola não será resolvida na Espanha, que a crise italiana não será resolvida na Itália, que a crise grega não será resolvida na Grécia. O que se demanda efetivamente é uma unificação daqueles que se colocam em posição flagrante contra esse projeto da ‘Tróika’, de política de austeridade etc.”. E dispara: “Caso contrário, essas forças de esquerda irão se perder na tentativa inócua de tentar solucionar problemas pontuais do sistema, pensados do ponto de vista da administração política da crise econômica”.

Ruy Braga (foto abaixo) é especialista em Sociologia do Trabalho, e leciona no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP, onde coordenou o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania - Cenedic. No mês de novembro deste ano Braga lançará seu novo livro, intitulado Política do precariado, pela editora Boitempo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o capital está se reestruturando diante da crise financeira internacional? A luta de classes ainda se manifesta nessa reestruturação?

Ruy Braga
– É importante destacar que o processo de reestruturação do capitalismo ocorre desde os anos 1990 em escala global, que foi o período de largo desenvolvimento das políticas neoliberais, de ajuste estrutural das economias nacionais, de reestruturação produtiva e corporativa das empresas, e o período que assistiu o colapso das economias do leste Europeu.

Do ponto de vista do processo de luta de classes em nível internacional, essa reestruturação capitalista, que atende pelo nome de mundialização do capital, tem uma dupla dimensão. A primeira é estritamente política, que diz respeito ao rearranjo de poder e força dos Estados-nação, em especial aquelas forças políticas que dirigem ou dirigiram historicamente os diferentes aparelhos governamentais, como a social democracia na Europa e algumas experiências nacional-desenvolvimentistas na América Latina. Por outro lado, tem-se uma reestruturação propriamente econômica, que articulou tanto a mundialização das empresas como uma reestruturação produtiva, que terceiriza, promove o avanço da tecnologia de informação, que efetivamente globaliza a sua esfera de ação. Na articulação dessa dupla dinâmica política e econômica as classes subalternas, em escala internacional, dão um passo atrás na década de 1990 – esse é o período do auge do neoliberalismo e do desmonte daquela forma de solidariedade classista, que se identifica grosso modo com o operariado fordista na Europa, na América Latina e nos EUA.

Então, há um retrocesso da solidariedade da classe estruturada durante o período fordista, e um avanço de um projeto de sociedade marcadamente individualista e neoliberal, um individualismo esvaziado de solidariedade, profundamente marcado pela concorrência com os diferentes atores. Nesse contexto é que a luta de classe retrocede na década de 1990. Entretanto, a partir de meados desse período, início dos anos 2000, identifica-se alguns exemplos de retomada do processo de reorganização das classes subalternas, em especial no caso da greve do funcionalismo público francês, de 1995, e a formação dos estados gerais, em 1998, o que imprime um ritmo distinto no “desmanche” das classes subalternas em escala global.

Os anos 2000 foram marcados pela retomada da organização das classes subalternas, que acabou empurrando o centro da dinâmica política latino-americana para a esquerda. Nesse período foram eleitos vários governos cunho frente popular, dentre os quais o mais famoso evidentemente é o caso brasileiro, com a eleição do Lula em 2002, o que abre um novo período dessa dinâmica de luta de classes. Em resumo, diria que há avanços e recuos, progressos e retrocessos do ponto de vista das classes. No entanto, o mais importante a se destacar é que o jogo ainda está sendo jogado, ou seja, não existe uma palavra final para esse contexto.

IHU On-Line – Após algumas décadas de avanços na consolidação do Welfare State, o modelo de seguridade social está ameaçado e constantemente reduzido pelos pacotes de austeridade dos governos europeus. O que está acontecendo? Qual a raiz deste desmantelamento social?

Ruy Braga
– Novamente, é importante destacar essa dupla dimensão econômica e política. Por um lado, percebe-se economicamente o flagrante ataque às políticas de bem-estar disferido pela “Troika” (FMI, Banco Mundial e pela Comissão Europeia), os quais respondem evidentemente a uma exigência do capital europeu. Ou seja, para que haja a possibilidade de diminuir os prejuízos do capital financeiro europeu, é necessário que o Estado nacional assuma o ônus de socializar as perdas entre as classes sociais subalternas. Então, existe uma dinâmica econômica que se inscreve num período de longo prazo. É uma crise que se estende de forma mais ou menos aguda desde meados da década de 1970, e que hoje se manifesta de uma maneira mais contundente do ponto de vista do endividamento de alguns países, em especial países da semiperiferia capitalista europeia, como é o caso, notoriamente, de Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Mas essa dinâmica da crise de endividamento, da impossibilidade de se manter essa valorização do capital financeiro em escala continental e em escala global, tem atingido também países do centro do capitalismo, como é o caso da Inglaterra e da França. Então, o capitalismo irá se estender numa crise econômica que está se aprofundando, se tornando mais abrangente do ponto de vista geográfico. Essa conjuntura coloca desafios para essas sociedades nacionais e, evidentemente, os setores conservadores ligados diretamente ao capital financeiro buscam transferir o ônus dessa crise, do prejuízo econômico, para as classes trabalhadoras, as classes sociais subalternas.

As políticas de austeridade basicamente derivam dessa dinâmica, uma tentativa de transferir o ônus econômico para as classes trabalhadoras. Evidentemente esse é um mecanismo político, ou seja, exige a integração da política. Então, abre-se um período de flagrante luta de classes na Europa, haja vista, por exemplo, as manifestações que têm ocorrido em Portugal – as mais importantes manifestações da história portuguesa desde 25 de abril de 1974.

IHU On-Line – Como o capitalismo transformou os ideais de igualdade, universalização de direitos e bem estar social? Esses sonhos estão sendo substituídos?

Ruy Braga
– Principalmente o capitalismo europeu e o modelo do Estado de bem estar social prometeram uma inclusão dos setores mais pauperizados das classes subalternas, por intermédio de políticas de bem-estar que garantissem o consumo, independentemente do tempo de investimento na produção, do tempo de investimento econômico nas empresas. Esse modelo também prometeu segurança para os trabalhadores que já estavam inseridos no mercado de trabalho. Essa dupla promessa está sendo literalmente negada, está sendo desmontada com a dinâmica da crise atual. Isso aponta para a questão de que o capitalismo não é capaz de resolver essa dupla contradição, ou seja, integrar os trabalhadores e, ao mesmo tempo, protegê-los. Essa foi uma ilusão do capitalismo pós-guerra, especialmente na Europa.

IHU On-Line – Como compreender que diante de tantas conquistas materiais e técnicas, especialmente no mundo do trabalho, ainda perduram a ameaça do desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações, a exclusão social?

Ruy Braga
– O desemprego, a insegurança e a incapacidade do sistema de proteger são dinâmicas do capitalismo, isso é o DNA do capitalismo, porque esse modelo se apoia na concorrência, na busca pelo lucro máximo. Então, é possível ter histórica, circunstancial e regionalmente situações de proteção social, mas elas serão rapidamente amesquinhadas diante da competição com outros países. Por exemplo, basta identificar a entrada da China no jogo do capitalismo global. O preço da força de trabalho dos trabalhadores chineses coloca pressão sob o preço da força de trabalho dos trabalhadores franceses, alemães, ingleses, portugueses, americanos e assim por diante, porque as empresas tendem a migrar para regiões que pagam menor salário. Então, há uma dinâmica da concorrência que progressivamente tende a erodir as conquistas vinculadas à proteção e à inclusão social.

IHU On-Line – Diante da atual conjuntura, como é possível avaliar o projeto das esquerdas no mundo?

Ruy Braga
– No caso europeu, é importante o pensamento de esquerda ter presente que a crise portuguesa não será resolvida em Portugal, que a crise espanhola não será resolvida na Espanha, que a crise italiana não será resolvida na Itália, que a crise grega não será resolvida na Grécia. O que se demanda efetivamente é uma unificação daqueles que se colocam em posição flagrante contra esse projeto da “Tróika”, de política de austeridade etc. Isso naturalmente demanda uma escala nova de articulação de lutas, de solidariedade, que é exatamente uma escala internacional, que pode ser, num primeiro momento, em escala regional, ou seja, uma dinâmica propriamente europeia. Mas essa dinâmica não pode se limitar à Europa, tem que se estender para outros países do mundo, para os Estados Unidos, para a América Latina, e assim sucessivamente. Então, o primeiro valor que a esquerda precisa resgatar, para efetivamente enfrentar essa conjuntura de crise, é o do internacionalismo. Ele é imprescindível, é insubstituível para se enfrentar a dinâmica da crise capitalista em escala global.

IHU On-Line – Por que a esquerda não conseguiu propor nada diferente e aderiu ao neoliberalismo?

Ruy Braga
– A esquerda propõe. Porém, o problema é que, na esfera dos governos, a única coisa que se encontra é uma tentativa de fazer com que o capitalismo funcione melhor, quando na verdade ele está colocado diante de outro dilema. A própria crise ecológica nos coloca, como espécie humana, dentro de outro dilema: como superar esse sistema que só oferece crise, degradação social, destruição ambiental, ou seja, que não satisfaz os interesses da humanidade. Então, tem que resgatar uma outra dinâmica de ação, que é anticapitalista. Só com base nessa dinâmica anticapitalista será possível avançar. Caso contrário, essas forças de esquerda irão se perder na tentativa inócua de tentar solucionar problemas pontuais do sistema, pensados do ponto de vista da administração política da crise econômica. Quer dizer, isso vai esgotar de fato as forças de esquerda. Isso não corresponde às reais necessidades que a humanidade tem diante dos olhos.

IHU On-Line – Quais os resquícios da tentativa de implementar o socialismo no mundo? Esse modelo ainda tem relevância em algum país?

Ruy Braga –
O socialismo continua na ordem do discurso absolutamente urgente para a humanidade; o problema é como chegar lá. Então, basicamente tem-se que resgatar os valores do internacionalismo operário, dos trabalhadores; tem-se que apostar na independência propriamente de classe, ou seja, buscar construir a unidade entre os trabalhadores, apoiada em seus programas, e que seja intransigente em relação aos governos e às empresas. Tem-se que apostar em uma alternativa socialista, articular as forças propriamente anticapitalistas numa frente unificada de ação; tem-se que resgatar o caráter socialista nas lutas contra todas as formas de opressão e de exploração; tem-se que incorporar as lutas contra a opressão das mulheres, contra a dominação dos jovens, contra a opressão racial, contra a discriminação por orientação sexual; tem-se que incorporar o feminismo e a luta dos setores subalternos num amplo projeto de transformação radical da sociedade, sem o qual nós vamos ficar aí, enfim, enredados nessa trama da crise capitalista.

IHU On-Line – Quais são as aproximações e as diferenças entre as esquerdas da América Latina? O que as aproxima e o que as diferencia?

Ruy Braga
– A América Latina deu uma guinada à esquerda nos últimos quinze anos. Isso é perceptível por intermédio da hegemonia que, por exemplo, governos como o de Hugo Chávez, o lulismo aqui no Brasil, Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, representam diferentes faces desta reação ao projeto neoliberal, dessa crise do neoliberalismo no continente, mas evidentemente com as suas contradições e as suas diferenças.

No caso brasileiro, essa reação é muito parcial, porque o atual modelo de desenvolvimento implementado, liderado, conservado e reproduzido pelo lulismo ainda mantém traços muito flagrantes do neoliberalismo a despeito de colocar uma ênfase maior em políticas redistributivas. A dinâmica brasileira é mais de atuação do Estado sobre a sociedade, como é também a dinâmica do governo de Hugo Chávez, ou seja, uma dinâmica muito concentrada na questão do Estado e na tentativa de controlar a independência dos movimentos sociais de base. Tanto um quanto outro, com diferentes matizes, tende a erodir as bases sociais de uma alternativa socialista, porque acabam fazendo com que os setores mais econômicos sejam incorporados ao Estado. No caso da Bolívia, consigo identificar uma dinâmica mais centrada numa contradição, num conflito entre os movimentos sociais de base e o governo, como também acontece no Equador. Então, entre essa tentativa de o Estado de controlar os movimentos sociais, e a reação dos movimentos sociais a esse controle do Estado, é que está sendo decidida a política de esquerda na América Latina, e consequentemente o futuro dessa mesma política.

IHU On-Line – Especificamente no Brasil, como avalia as discussões sobre a possibilidade de o governo brasileiro flexibilizar as leis trabalhistas e de implantar o modelo trabalhista alemão no Brasil? Quais as implicações para o mundo do trabalho?

Ruy Braga
– Evidentemente essa é uma tendência mundial – e brasileira também. Basta analisar a década de 1990 em termos de flexibilização da legislação do trabalho, aquilo que na Sociologia do Trabalho se chama “contratualização ou precarização” no contrato de trabalho, com a intervenção de inúmeras formas de contratação por tempo determinado, inúmeras formas de contrato temporário etc. Se o governo Dilma aceitar o princípio do acordado sobre o legislado, estará evidentemente contribuindo para o aprofundamento da flexibilização da precarização, que já é muito alto no país.

O mundo do trabalho brasileiro é fundamentalmente precário, ou seja, os trabalhadores encontram funções de trabalho e de contrato tão precarizados, que é necessário o apoio e a intervenção de um terceiro para garantir o mínimo de reconhecimento ou de direitos. E esse mínimo é basicamente a legislação do trabalho, ou seja, se, em benefício de alguns setores que são mais organizados, se apoia ou legaliza o princípio do acordado sobre o legislado, estar-se-á efetivamente impedindo ou bloqueando que os direitos se generalizem.

IHU On-Line – Ao mesmo tempo em que há uma apatia política, surgem novas manifestações sociais como Os Indignados e os acampados de Wall Street. Como vê essas novas manifestações? O que os movimentos sociais precisam para ter representatividade política junto à sociedade civil e mobilizá-la novamente?

Ruy Braga
– Existe uma dinâmica de mobilização internacional que se expressa tanto na Europa como no mundo Árabe. Isso é uma constatação mais ou menos evidente. Porém, é importante destacar que existe uma interconexão entre essas manifestações, ou seja, a esperança da revolução árabe de alguma maneira fertiliza a juventude europeia, da mesma maneira que repercute sobre a juventude nos Estados Unidos. Então, tem-se uma nova dinâmica de mobilização, tanto do ponto de vista de um impulso democrático dos setores da juventude como também um impulso de democratização que se espalha pelos setores da classe trabalhadora, haja vista, por exemplo, o processo do Egito e da Tunísia.

Costumo dizer que a juventude europeia e os setores mais precarizados e explorados, submetidos aos contratos temporários – que assumem os piores postos de trabalhos disponíveis no mercado, que não conseguem perceber um horizonte de progresso ocupacional, um progresso social –, são os mais atacados pelas políticas de austeridade, pela contenção de despesas e gastos sociais e pela diminuição da rede de proteção pública. Assim, tais setores estão propriamente lutando pela manutenção, pela conquista e pela ampliação de direitos. Eles são, de fato, uma força profundamente progressista do ponto de vista político. Existe uma simbiose entre esses diferentes movimentos, Occupy Wall Street, Os Indignados e a Primavera Árabe, pensados evidentemente do ponto de vista da juventude, que se engaja no processo de mobilização por mais democracia e assim por diante. É evidente que há um plano de fundo, que é a crise econômica. A crise econômica acelera e catalisa essa mobilização.

O caso brasileiro é um pouco diferente, porque a crise chegou tardiamente do ponto de vista dos ritmos de espalhamento da crise. Desde o ano passado nós temos identificado uma série de iniciativas nacionais bastante radicalizadas, como as greves nacionais de setores de trabalhadores, greves nacionais dos Correios, dos bancários, dos peões das obras do PAC. Tem havido ampla mobilização nacional de professores de ensino fundamental. Há uma retomada da dinâmica da mobilização social, que tende a fortalecer o movimento sindical crítico e acrescentar propriamente contradições àquele movimento sindical governista. O momento atual é de transição na direção de retomada de um ciclo de mobilização sindical e dos trabalhadores, que tende a se espalhar também pela juventude.
(Por Patricia Fachin)

Publicada em: http://www.ihu.unisinos.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Manter viva a causa do PT: para além do “Mensalão”



      

Leonardo Boff*


Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como dizia Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.


A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e dr.h.causa em politica pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.


Estou enviando este artigo para livre publicação e circulação a propósito das intrigas que se originam a partir do julgamento do "mensalão". Elas transcendem este julgamento e, a meu ver, pretendem politicamnte atingir o PT como um todo e o ex-Presidente Lula.
Um abraço
Lboff

Discurso do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica na Rio+20

Vale a pena ouvir esse discurso lucido, simples e direto em defesa da felicidade humana!!!!

Projeto regulamenta direito de resposta na imprensa


A Câmara analisa o Projeto de Lei 3523/12, do deputado Andre Vargas (PT-PR), que cria regras para o direito de resposta e de retificação. Previsto na Constituição, o direito de resposta deve ser proporcional ao agravo, sendo prevista também indenização por dano material, moral ou à imagem.

Atualmente, além do estabelecido pela Constituição, não há uma regra legal vigente sobre o direito de resposta. Ele era regulamentado pela Lei de Imprensa (5.250/67), mas esta foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2009.

O projeto de Vargas garante esse direito a qualquer pessoa que tenha sido objeto de acusações ou ofensas errôneas ou inverídicas ou que possam afetar sua honra publicadas na imprensa escrita, na internet, na rádio ou na televisão. A resposta será veiculada no mesmo periódico onde tenha se dado a ofensa e, em caso de rádio ou TV, será lida por um locutor na mesma emissora e no mesmo programa.

O direito de resposta poderá ser exercido pelo próprio titular, por seu representante legal ou por herdeiros, independentemente dos direitos de natureza penal ou civil originados pelo mesmo fato. Não haverá direito de resposta caso o interessado concorde com correção ou esclarecimento sobre o fato publicado ou transmitido.

Regras
Ainda segundo a proposta, o exercício da prerrogativa deverá ser requerido nos 20 dias seguintes à transmissão ou publicação ofensiva diretamente aos órgãos de imprensa ou às emissoras de rádio e TV. O texto da resposta deverá ser entregue preferencialmente em formato eletrônico, limitando-se aos fatos que a originaram. Poderá ter no máximo 300 palavras ou, se for maior, o número de palavras do fato que a originou, vedadas as expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas.

A transmissão ou publicação do direito de resposta será gratuita, na mesma seção ou horário, com o mesmo formato da publicação ou transmissão ofensiva, e repetida tantas vezes quantas as referências originais.

O pedido de resposta poderá ser negado caso seja feito inapropriadamente, provenha de pessoa sem legitimidade ou não tenha fundamento. Nesse caso, o interessado poderá reapresentar o pedido devidamente corrigido em até 48 horas após a recusa.

Por outro lado, a recusa infundada permite ao interessado recorrer ao Judiciário. Caso o pedido seja julgado procedente, a reposta deverá ser veiculada em um prazo de 24 horas ou na edição seguinte e deverá mencionar expressamente a decisão judicial. Além disso, o juiz condenará o réu ao pagamento de multa ao autor, no valor de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil.

Com o projeto, Andre Vargas pretende agilizar as respostas às ofensas veiculadas na mídia. "O direito a resposta é 'cláusula pétrea'. Não podem ser admitidas obstruções ao seu pleno exercício", afirma o autor.

Tramitação
O projeto tramita em conjunto com o PL 3232/92, do Senado, e outras 21 proposições que já estão prontas para serem votadas pelo Plenário.

Fonte: Agência Câmara de Notícias



Confira também: Memória: Direito de resposta concedido pela justiça contra a TV Globo


Memória: Direito de resposta concedido pela justiça contra a TV Globo

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Quem tem medo da verdade?


O mais importante processo da história brasileira está sendo levado adiante pela Comissão da Verdade, independente de que seja apenas uma condenação moral e política da ditadura e de todos e tudo que esteve vinculado a ela.

Foi um momento crucial na história do país, em que se escolhia entre a democracia e a ditadura. Triunfou a ditadura, pela força das armas, incitada pelo governo dos EUA, pela direita brasileira, pelo grande empresariado do país, praticamente pela totalidade da mídia da época (exceção da Última Hora), pela Igreja católica.

O país agora, finalmente, passa a limpo aquele período brutal da história brasileira, com a Comissão da Verdade. A mídia, os partidos da direita, militares, se sentem incômodos com a ação da Comissão, porque pretendiam enterrar da memória nacional aquele período e sua participação vergonhosa nele.

O discurso sobre o julgamento atual do STF serve também para encobrir aquele período e a atuação da Comissão da Verdade. Daí os epítetos como se esse julgamento tocasse nos fundamentos da história brasileira e não o sobre a ditadura.

A ditadura não apenas mudou os rumos da história brasileira do ponto de vista político. Ela bloqueou o processo de democratização social e econômica e acentuou ainda mais as desigualdades. Alem das brutais ações repressivas, logo nos primeiros dias foram decretadas intervenções em todos os sindicatos e o arrocho salarial – tão essenciais à ditadura quanto a repressão física.

O grande empresariado nacional e internacional foi diretamente beneficiário do regime ditatorial, aumentou exponencialmente seus lucros com o arrocho e a repressão aos sindicatos, intensificou a super exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, empresas da mídia, com a Globo à frente, impuseram seu monopólio durante o período ditatorial.

A ação da Comissao da Verdade é escondida pela velha mídia, ela mesma temerosa que as investigações revelam suas estreitas e promíscuas relações com a ditadura militar. Quando finalmente a Comissão da Verdade enunciar suas conclusões sobre o golpe e a ditadura miliar, não haverá nada da parafernália de hoje em relação ao processo do STF: nem transmissão direta, nem cadeias nacionais, nem entrevista com as vítimas e os familiares das vítimas da ditadura.

O medo que eles têm da verdade da Comissão da Verdade, por si só, é confissão de culpa da velha mídia, dos partidos da direita e de militares ligados à ditadura.

Postado por Emir Sader em http://www.cartamaior.com.br/


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

I Encontro de Jornalistas de Imagem


 
 
Durante os dias 1º e 2 de setembro, Fortaleza se transforma na capital dos debates sobre o futuro do Jornalismo de imagem, com a realização do I Encontro Estadual dos Jornalistas de Imagem e Profissionais da Comunicação do Ceará (EEJIC/CE). Evento pioneiro no Estado, o EEJIC/CE pretende reunir, na sede da Associação Cearense de Imprensa, cerca de 200 participantes, entre diagramadores, ilustradores, repórteres cinematográficos e repórteres fotográficos, além de observadores e estudantes de Jornalismo e áreas afins.

Preparado durante 12 meses pelo Departamento de Jornalistas de Imagem do Sindjorce, o EEJIC tem como tema central "A identidade do jornalista de imagem e o futuro da profissão", numa conferência de abertura que será ministrada, às 8h30, pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e da Federação dos Periodistas da América Latina e do Caribe (Fepalc), Celso Schröder. Ao seu lado, ainda, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e secretário-geral da FENAJ, José Augusto Camargo. Ambos são jornalistas de imagem.

O EEJIC tem o patrocínio do Banco do Nordeste (BNB), Coelce e Governo do Estado. Conta com apoio do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest/CE).

Conheça os palestrantes e debatedores do EEJIC/CE:

Celso Augusto Schröder é lustrador do Correio do Povo (RS), presidente da Federação dos Periodistas da América Latina e do Caribe (FEPALC) e da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ);

José Augusto Camargo , o Guto, é diagramador do Diário do Comércio (SP), presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) e secretário-geral da FENAJ;

André Liohn Garcia de Oliveira é repórter-fotográfico e cinematográfico internacional, especialista em coberturas de guerra e único sulamericano vencedor do Prêmio Robert Capa;

Arthur Lobato é repórter-cinematográfico da Rede TV! MG, psicólogo, foi 2º tesoureiro da FENAJ e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais;

André Freire é repórter fotográfico, trabalhou em jornais, revistas e assessorias como repórter e editor de fotografia, é diretor do Departamento de Mobilização dos Jornalistas de Produção e Imagem da FENAJ;

Fátima Duarte é psicóloga, especialista em saúde, trabalho e meio ambiente para o desenvolvimento sustentável (UFC) e Diretora do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST-CE);

Adalberto Diniz é repórter-fotográfico, secretário da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas (Apijor) e diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Silas de Paula é coordenador do grupo de pesquisa em Cultura Visual, professor doutor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC);

Eduardo Queiroz é editor de fotografia do jornal Diário do Nordeste (CE), graduado em Sistemas de Informação pela Faculdade Integrada do Ceará (FIC) e especialista em Teorias da Comunicação e Imagem pela UFC;

Celso de Oliveira Silva é fotojornalista freelancer, já tendo passado pelo jornal O Povo (CE), um dos criadores da agência e editora Tempo D’Imagem, desenvolve ensaios documentais e livros de fotografia;

José Alberto Lovetro , o Jal, é um dos mais conhecidos cartunistas na imprensa nacional, criador do Prêmio HQ Mix, o Oscar do humor gráfico brasileiro, preside a Associação de Cartunistas do Brasil (ACB);

Liduína Figueiredo é designer gráfico, professora da disciplina de Produção Gráfica na Universidade de Fortaleza (Unifor), já tendo trabalhado no jornal Diário do Nordeste (CE), fundou a Pah Comunicação e Eventos;

Glaymerson Moises é jornalista graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), já tendo passado pelo Diário do Nordeste (CE), é designer gráfico e editorial freelancer, e criador da logomarca do EEJIC/CE;

Carlus Campos , o Carlão, é ilustrador e caricaturista do jornal O Povo (CE). Peças publicitárias, livros infantis e exposições de arte são outros projetos do artista, que publicou trabalhos nas revistas Bravo e Caros Amigos.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Por que defendemos o Wikileaks e Assange

Por Michael Moore e Oliver Stone  em 28/08/2012 na edição 709

Reproduzido do Outras Palavras, 22/8/2012, tradução de Daniela Frabasile; intertítulos do OI
  
Passamos nossas carreiras de cineastas sustentando que a mídia norte-americana é frequentemente incapaz de informar os cidadãos sobre as piores ações de nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres.
O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prenderAssange.
Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filmeAssassinato Colateral, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagdá por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Yemen, para esconder nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais.
Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comite do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010.

Acusação sigilosa
Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange.
Autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas.
Assange também comprometeu-se a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. Autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas.

Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou.

Pela liberdade
Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão estadunidense, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte-americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não.
Conclamamos os povos britânico e sueco a exigir que seus governos respondam algumas questões básicas. Por que as autoridades suecas recusam-se a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo.


[Michael Moore e Oliver Stone são cineastas nos Estados Unidos]


Correa defende asilo político a Assange e rebate críticos

Tradução: Larriza Thurler (edição de Leticia Nunes)

O presidente do Equador, Rafael Correa, tem uma postura no mínimo controversa em relação à liberdade de imprensa. Conhecido por processar veículos e atacar verbalmente a mídia de seu país, na semana passada ele teve que rebater críticos que o acusavam de hipocrisia por ter concedido asilo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. Em entrevista a Jonathan Watts, do jornal britânico The Guardian [24/8/12], Correa defendeu sua atitude em relação à liberdade de expressão no Equador alegando ser necessária para controlar proprietários de jornais e emissoras de rádio e TV que abusam do poder que têm.
O líder equatoriano chegou a comparar suas ações com as investigações realizadas nos tabloides da News International no Reino Unido. “Não vamos tolerar abusos e crimes cometidos diariamente em nome da liberdade de expressão. Isso é liberdade de extorsão e chantagem”, disparou. “A imprensa equatoriana (e latino-americana) não é como a europeia ou a americana, que tem ética profissional. Ela pensa que está acima da lei e faz extorsão e chantagem. Lamento por boas pessoas, em um nível internacional, que defendem este tipo de imprensa”.

Revista censurada
Dias antes de o governo ter concedido asilo a Assange e se promovido como defensor da liberdade de expressão, a polícia equatoriana invadiu os escritórios em Quito de uma das maiores revistas do país, a Vanguardia,e confiscou computadores. Também ordenou que a publicação fosse suspensa por uma semana, como “punição por violação das leis trabalhistas”. Foi a segunda vez em menos de dois anos que a Vanguardia teve seus escritórios invadidos. Seus jornalistas afirmam receber ameaças de morte depois de terem sido criticados pelo presidente durante seu programa semanal na TV.
O diretor editorial da revista, Juan Carlos Calderón, foi processado por Correa e condenado a pagar R$ 20 milhões por “danos morais”, após ter sugerido que o presidente sabia que seu irmão estava ganhando milhões em contratos com o governo. Depois de protestos públicos, o presidente retirou uma ação e emitiu um indulto sobre outra. Ainda assim, justificou o direito de ter aberto uma ação contra Calderón: “Há uma lei escrita proibindo processar um jornalista? Desde quando? Então ninguém deveria processar Murdoch e seus parceiros no crime no Reino Unido?”.
Calderón já havia afirmado ao Guardian que havia se tornado alvo de Correa por ter criticado o governo e acusado o presidente de usar dois pesos e duas medidas. “O governo disse que concedeu asilo a Assange porque ele é perseguido por defender a liberdade de expressão. Mas o mesmo acontece conosco”, disse. “Este não é um país com uma imprensa livre, como descrito por Correa”.

Faça o que digo, não o que faço
O sentimento de Calderón é compartilhado por outros jornalistas. O observatório da imprensa equatoriano Fundamedios descreveu a situação no país como uma “guerra de baixa intensidade com jornalistas” que fica mais forte a cada dia. No ano passado, foram registrados 151 casos de agressão física contra repórteres; em 2009, foram 101. O aumento é, em grande parte, resultado de injúrias constantes a jornalistas feitas por Correa em seu programa semanal de TV, que é exibido em quase todos os canais do país.

A Fundamedios também observou que 17 emissoras de rádio foram fechadas este ano acusadas de desrespeitar regulamentações. Além disso, o governo emitiu, recentemente, novas regras que obrigam servidores de internet a fornecer os endereços de IP de seus usuários para autoridades, mesmo sem ordem de um tribunal. “Há uma grande distância entre o que Correa diz sobre a liberdade de imprensa e a realidade”, afirma César Ricaurte, presidente da organização. “Se Assange fosse equatoriano, eu ouso dizer que já estaria preso”. Grupos internacionais, como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas e a Repórteres Sem Fronteiras, também acusaram Correa de tentar depreciar e intimidar críticos.

Estratégia?
Críticos de mídia dizem que a atitude do presidente com relação à mídia – em especial no seu programa semanal – é tão agressiva quanto a adotada pelo venezuelano Hugo Chávez, mas menos destrutiva. “Chávez foi muito mais longe. [No Equador] Há confronto, mas não houve emissoras de TV fechadas, como na Venezuela”, observa Maurice Cerbino, professor da Universidade Andina Simon Bolívar.

Já partidários de Correa alegam que o governo está tentando reequilibrar a mídia, que anteriormente, em sua grande maioria, pertencia a algumas poucas famílias. Quando Correa assumiu o governo, em 2007, havia apenas uma organização de mídia pública, a Radio Nacional. Desde então, foi ampliado o número de emissoras de TV e jornais privados e estatais. Hoje, dizem eles, há mais oportunidade para organizações críticas às autoridades e um maior acesso a funcionários do governo. Os que trabalham na imprensa pública afirmam que o ambiente midiático está mais saudável, pois anunciantes têm menos influência.

Segundo Correa, o asilo político a Assange é uma tentativa de apoio a um indivíduo ameaçado por um estado poderoso. “Não concordo com tudo o que Assange fez. Mas acredito que ele deva ter um processo legal. Ele nunca roubou informação – foi entregue a ele pelo soldado Bradley Manning. Ele apenas a distribuiu. Então por que os jornais que a publicaram também não são penalizados? Assange é apenas um cidadão”, disparou.

Alguns aceitaram os argumentos idealistas do presidente. Outros disseram que ele está tentando tirar o foco do tratamento que dá à mídia equatoriana. Outra teoria é a de que Correa não passa de um oportunista político que sabe dos benefícios de se envolver em uma briga do alto escalão – neste caso, com o Reino Unido. Dentro do próprio governo houve divergências sobre o caso; alguns acham que a ajuda a Assange pode prejudicar o comércio com a União Europeia. Já nas ruas, parece que Correa tem apoio do público.

TELESUR transmitirá entrevista exclusiva com Assange

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM MARTA HARNECKER


para a Folha de São Paulo.

Ela se define como "educadora popular" marxista-leninista. Chilena, foi discípula do filósofo Louis Althusser, líder estudantil católica e integrante do governo socialista de Salvador Allende. Casou-se com um dos comandantes da revolução cubana (Manuel Piñeiro, o Barba Roja) e nos anos 2000 virou conselheira de Hugo Chávez.
A reportagem e a entrevista é de Eleonora de Lucena e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-08-2012.

Marta Harnecker conta que escreveu mais de 80 livros. O mais conhecido, "Conceitos Elementares do Materialismo Histórico", dos anos 1960, vendeu mais de 1 milhão de exemplares e está na 67ª edição. Aos 75 anos, viaja pela América Latina e se diz otimista: os EUA já não fazem o querem na região e o conceito de soberania cresceu.

Hoje morando em Vancouver (Canadá), ela considera Chávez um "líder revolucionário fundamental", mas uma "pessoa contraditória": "Ele é um militar que crê na participação popular. O importante é ver o fruto dessa coisa". A Venezuela é o país menos desigual do continente.
Eis a entrevista.
Como a sra. avalia a situação política na América Latina?

Sou muito otimista. Quando Chávez ganhou estava sozinho e o panorama hoje mudou muito. Considero que as situações mais avançadas estão na Venezuela, Bolívia e Equador. Meu último livro foi sobre o Equador e se chama "A Esquerda em Busca da Vida em Plenitude". A concepção desses governos é de uma sociedade alternativa ao capitalismo, em que a pessoa humana tenha um pleno desenvolvimento.

Não demos importância a isso no passado. E hoje em dia é fundamental: uma sociedade construída pelas pessoas, de baixo para cima. Não é fazer com que o povo seja um mendigo que recebe presentes do Estado. Não é o que queremos nem o que está sendo feito. O parteiro desse processo foi o neoliberalismo, que provocou contradições e os povos começaram a resistir e começaram a entender que tem que participar da política e criar instrumentos políticos. Foi o caso do Equador, da Bolívia e da Venezuela. Lá houve pressões populares nos anos 1980 que estão na origem do triunfo de Chávez.

Há uma crise estrutural do Estado. As pessoas já não confiam na política e nos políticos e querem coisas novas. Estão cansadas de promessas não cumpridas. Surgem esses governos e, contra os prognósticos de alguns, inclusive de intelectuais brasileiros, o processo se seguiu. Houve quem achasse que se tinha atingido um topo e iria diminuir. Mas não foi assim.

Mas temos o império presente. São os casos de Manuel Zelaya e de Fernando Lugo. Eles tinham processos mais débeis internamente, com organizações populares mais fracas, sem partidos. Os dois vinham de partidos da burguesia. Não há o que copiar na América Latina. Alguns se entusiasmam com o processo da Venezuela e acham que se pode fazer em todos os países a mesma coisa. O processo no continente é completamente diferenciado. O que os une é o processo social. Na Bolívia e no Equador, por exemplo, os indígenas são grupos importantes; na Venezuela, não.

O desempenho de Chávez não está muito ligado ao petróleo?

O petróleo já estava nacionalizado quando Chávez chegou ao poder. Mas não estava nas mãos do governo. Estava sendo gerenciado pelos grupos ligados à oposição. Como consequência do golpe de 2002 se recupera a gestão para o governo. Os excedentes do petróleo passam a servir para as missões sociais internas e para apoiar outros processos na América Latina. Há dependência, mas eles têm clareza de que ela precisa ser superada.

O governo está investindo em projetos de industrialização, pois o neoliberalismo desindustrializou os nossos países. Estratégia é depender cada vez menos do petróleo.

O governo Morales enfrenta oposição de movimentos populares na Bolívia. Como explicar isso?

São as contradições que vivem os processos. Esses são muito diferentes dos processos revolucionários dos anos 1920, da Revolução Russa. Nesses casos só se consegue chegar ao governo. Em muitos deles, com uma correlação de forças no parlamento, nos governos locais, nos meios de comunicação e no poder econômico que permanecem nas mãos de quem dominava antes.

Álvaro Liñera [vice-presidente da Bolívia] reflete as contradições que vive o país. Entre um governo, que tem que ser executivo, tomar decisões, resolver problemas de todo o país, e os movimentos sociais, que têm um ritmo de discussão democrática etc. No processo boliviano, o povo é diverso e tem contradições. Fica unido em torno de bandeiras como, por exemplo, a do Estado plurinacional. Mas as contradições se agudizam e o governo tem que entender isso e olhar democraticamente as partes. É muito complicado. O povo quer que o Estado resolva o problema. É uma espécie de paternalismo. Quando chegam esses governos, querem soluções imediatas, não sabem de política nem de correlação de forças. Além disso, prima a visão localista, sem uma visão de conjunto.

É preciso um processo de educação popular para que uma comunidade entenda que para o país e para outras comunidades é negativo não fazer uma estrada. Liñera reconhece que existem e haverá contradições e que é preciso o governante saber lidar com elas.

Como a sra. analisa a situação do Brasil, da Argentina e do Uruguai?

São diferentes. São governos muito mais moderados, mas que estão tomando medidas de soberania. Porque a primeira coisa que precisamos conseguir é a soberania perante os EUA. Temos feito reuniões deixando de fora os EUA; não vem o Departamento de Estado dizer o que devemos fazer. Na maioria dos governos da região, a soberania é um valor. É um êxito que tenham constituído a Unasul e que nela estejam o Chile, o México, a Colômbia.

O poder dos EUA diminuiu na região?

Os Estados Unidos já não podem fazer o que querem. Mas claro que o seu poder é imenso. Há uma contraofensiva dos EUA que se reflete em casos como o de Zelaya, e na tentativa contra Correa. Houve o golpe contra Lugo. Estão tentado refazer um golpe na Bolívia, com setores da oposição se aproveitando das contradições no interior do povo. Em Santa Cruz e em outros lugares estão tentando fazer alianças com os setores do povo descontentes. A intenção de separatismo foi vencida graças à organização popular. Agora não há um perigo iminente, mas essas forças estão se reconstituindo.

Não temos um caminho fácil. São processos que não se definem de um dia para outro. A melhor defesa é ter um povo organizado. Chávez entendeu muito bem. Ele sempre insiste em dizer que não podemos resolver o problema da pobreza se não dermos poder ao povo. Chávez é um tipo que sente o popular, é muito humano. Fiz um livro com ele que se chama "Um Homem, um Povo". Não digo que não haja defeitos do homem Chávez e que não haja contradição entre o seu discurso e o que se faz. Vivemos processos humanos, não de deuses puros.

Poderia haver um modelo comum entre os países latino-americanos na sua visão?

Sou chilena. No Chile se consolidou a contrarevolução burguesa, com Pinochet e os seguintes. A Concertação segue as políticas neoliberais com algumas políticas sociais. Houve um neoliberalismo exitoso, pelo aumento do PIB, a construção de estradas. Mas o Chile, que era um dos países mais igualitários da América Latina, é hoje um dos com maiores diferenças entre os pobres e os ricos. No Chile não existiam muros nas casas da grande burguesia. Não se pode medir o resultado do neoliberalismo apenas pelo lado econômico. Conheci um casal de arquitetos chilenos que trabalha 14 horas por dia. Vivem para trabalhar; não trabalham para viver.

Pessoas da pequena burguesia conseguem alguma coisa, mas há muita competição, estão sempre correndo, nunca têm tranquilidade no trabalho. No Brasil também se consolidou a contrarevolução burguesa.

Como assim? O governo do PT significa a contrarevolução burguesa?

Os setores dominantes se consolidaram, o agronegócio. O PT está buscando fazer outra coisa. Não se pode comparar com a Venezuela ou a Bolívia, por causa da correlação de forças da vitória de Lula. Num país que é a sexta economia do mundo, o capital financeiro e as transnacionais têm um poder enorme. Então o capitalismo se consolida, mas há atenção aos setores populares. Tiram pessoas da pobreza.

No Brasil, falta o governo facilitar mais o processo de organização popular. Temos uma esquerda que esteve na oposição. O governo tem que executar, resolver e não pode esperar a discussão do partido. Vai se dando um distanciamento entre partido e governo. Quadros do setor popular passam a ter postos no governo. Num Estado como o brasileiro precisa ser muito firme para não se transformar em outra coisa. Um trabalhador que chega a ser senador ou deputado muda a sua vida. Como ensina o marxismo, as condições materiais influem. Creio que há provavelmente a deformação de muitos dirigentes, que deixam de representar os interesses populares.

Há muitas críticas da esquerda a Lula e Dilma que são feitas sem entender a correlação de forças que existe. Não quer dizer que não possam fazer mais do que têm feito.

Então não há um modelo comum para a América Latina?

Não. Cada situação na América Latina é distinta. É preciso estudar cada lugar, suas origens históricas, as correlações de forças.

Sou estudiosa de Lênin. É preciso fazer a análise concreta das forças, escolher a estratégia e a tática. Há um horizonte que é o socialismo do século XXI, a sociedade do bem viver. Não queremos um socialismo como o soviético, estatista, totalitário, de partido único, ateu, que usou os movimentos sociais como correia de transmissão. É preciso ler os clássicos, Marx e Engels. A meta é uma sociedade solidária, que não hajam exploradores e explorados, em que cada um encontre o que fazer, que respeite as diferenças. É uma meta utópica. Mediria os governos com perguntas: 1. Esses governos têm conquistas em relação à soberania nacional?; 2. Consolidam, aumentam a organização do povo? 3. Fazem um desenvolvimento que respeite a natureza?

Como a sra. analisa a crise econômica mundial?

É uma crise estrutural importante. Não é terminal, porque o capitalismo se recompõe. As condições objetivas estão mais adiantadas do que as condições subjetivas. Valorizo movimentos como o dos indignados. A rebeldia é um passo inicial, mas é preciso fazer com que isso vire uma força. "Reconstruindo a Esquerda" é um livro meu em que digo que é preciso um instrumento de articulação que não são os partidos tradicionais. O neoliberalismo fragmenta a população.

Como assim?

A política não é a arte do possível. Isso é diplomacia. Escrevi um livro sobre isso. O político revolucionário precisa entender que para lograr seu objetivo tem que criar uma correlação de forças. Construir forças sociais para ter força política para buscar o seu objetivo. Se constrói força social com protagonismo popular. O Estado não pode criar o que não existe, mas pode criar condições para que as forças se fortaleçam.

Os partidos políticos não seriam esse instrumento? Não há diferenças?


Partidos políticos não compreendem a política como a arte de construir forças sociais. Mas entendem a política como forma de ganhar postos no governo, ter mais deputados, mais força. Não é a ideia. Muitas vezes a política fica muito desprestigiada. A direita se apropriou da linguagem da esquerda. A esquerda muitas vezes faz uma prática política igual à direita: clientelismo, personalismo, carreirismo político, às vezes até corrupção. O povo vê discursos iguais, vê práticas iguais, se decepciona.

Por exemplo?

Sem exemplos. O diagnóstico faz cada um. Mas está claro. É preciso ser muito coerente entre o que diz e o que faz. É preciso que se trabalhe para construir força social, e não se dedicar a pelejas institucionais. O socialismo requer uma grande maioria, uma hegemonia, convencer o máximo de gente pelo projeto, sendo muito pluralista e respeitando as diferenças.

Tenho um livro que faz uma análise dos erros que cometeu a esquerda. Quando uma pessoa conhece o valor da solidariedade, começa a entender que é mais importante ser do que ter. Essa é a luta contra o consumismo. Há uma democracia desmobilizadora. As pessoas então endividadas. Os trabalhadores estão desmobilizados porque podem perder o trabalho e não estão tão protegidos como antes. Quando os partidos de esquerda conseguem ganhar algum espaço, muitas vezes os dirigentes deixam de ser dirigentes revolucionários. O perigo é muito grande. Um membro político que se mete no aparato burguês tem que ter algum tipo de estrutura, um grupo de pessoas de controle, de consulta. Que pergunte ao dirigente porque ele está comparando um carro que não tem necessidade. É fácil fazer a cooptação, pela ideologia e pela cultura, de um sujeito solitário.

A sra. foi casada com um dirigente da revolução cubana e morou muitos anos na ilha. Como vê a situação do país?


Cuba foi minha segunda pátria. Tenho uma filha cubana que mora lá. Cuba mostrou à América Latina a dignidade, a capacidade de defender a soberania, de resistência a todos os males. A economia é muito complicada.

Como avalia as mudanças em curso na economia?
Precisava haver mudanças. As pessoas precisam de espaço para desenvolver sua capacidade produtiva. É certo. Creio que a participação dos trabalhadores em cooperativas seria um caminho que deveria ser explorado.

A sra. foi discípula de Louis Althusser (1918-1990). Como foi essa experiência?

Estudei psicologia na Universidade Católica do Chile. Como dirigente da ação católica universitária visitei Cuba e fiquei fascinada. Eu era católica e comecei a discutir com cristãos marxistas. Fui à França e conheci Althusser, que também havia sido católico. Li suas obras estabeleci uma relação de discípula. Vivia a poucos metros da casa dele e o via três vezes por dia. Ele me dizia o que ler. Não segui psicologia. Isso foi entre 1963 e 1968. Trabalhei também com Paul Ricoeur (1913-2005). Voltei ao Chile pensando em ensinar francês.

Deliberadamente eu não tinha título. Eu tinha escrito um livro ­-"Conceitos Elementares do Materialismo Histórico"- com as notas que tinha feito de um curso para haitianos e mexicanos no ultimo ano que estive em Paris. Esse livro vendeu mais de um milhão de exemplares. Está agora na 67ª edição e foi traduzido para várias línguas. No Brasil circulou em edições clandestinas. Por causa do livro, fui ser professora da Universidade do Chile, com Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini. Virei diretora da revista política da Unidade Popular, a "Chile Hoy". Transformava artigos de intelectuais, tornando-os acessíveis para a população. Foi quando me apaixonei pelo jornalismo. Fazia cartilhas de formação e cursos para operários e camponeses. Só aí fiz doze cadernos de educação popular.

Tenho mais de 80 livros publicados. Alguns são livros de testemunhos, com experiências de vários países - El Salvador, Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela. Tenho um livro sobre o PT que está pendente. No Chile fazia parte do Partido Socialista e fiquei fascinada pela educação popular. Para mim, a maior satisfação é criar um texto que todos entendam. Que não seja acadêmico. Não sou doutora. Sou educadora popular: é a minha autodefinição. Depois do golpe no Chile, fui para Cuba, quando consolido minha relação com o comandante Manuel Piñeiro, o Barba Roja (1933-1998). Fiquei em Cuba até 2003. Fui entrevistar Hugo Chávez, na Venezuela. Recolhi as criticas de esquerda, as dúvidas sobre o governo. Ele gostou muito que eu lhe transmitisse as críticas e me convidou para trabalhar no palácio. Não quis salário. Pagavam um apartamento e a comida, só.

Que críticas eram?

Que tal ministério não estava fazendo tal coisa, que tinha um discurso demasiado autoritário, tudo. Vivi seis anos da Venezuela.

Hoje a sra acha que Chávez é uma pessoa autoritária?

Chávez é um militar. Que crê na participação popular e quer promovê-la. E que como pessoa é contraditória. E tem que se respeitar essa contradição. Queríamos que não fosse tão autoritário, mas entendemos. Eu mesma tenho um caráter muito complicado. Muitas vezes quis mudar e não é tão fácil. O importante é ver o fruto dessa coisa. Se comparamos a Venezuela do primeiro ano com a hoje, temos gente com personalidade, que critica, que cresceu como ser humano. E é isso que buscamos. Eu o saturava com críticas.

E hoje a sra. ainda mora na Venezuela?

Moro em Vancouver, no Canadá, com o meu companheiro Michael Lebowitz.

Como avalia a sucessão de Chávez?


Não tem ninguém na altura de Chávez. O ideal seria uma direção coletiva. Dada a fragmentação que o liberalismo produziu nos setores populares latino-americanos, os trabalhadores de hoje não têm nada que ver com os do tempo de Marx: há subcontratação, precarização. É preciso pessoas com grande carisma e uma personalidade muito forte para aglutinar todos esse setores.

Há o líder populista que usa o povo para os seus objetivos políticos e o líder revolucionário que, usando sua capacidade, promove o crescimento da população. Um líder revolucionário com carisma se comunica com o povo igual que um populista. A diferença é que o populista dá coisas, como Perón, mas não é ajuda para que o povo se independize. Não é ponte de um crescimento.

Recordo de uma das primeiras viagens que fiz com Chávez, para a inauguração de escola. As pessoas pediam coisas, passavam papéis. Um deles pediu um caminhão. Chávez sugeriu que ele se organizasse com outros numa cooperativa para obter o caminhão. Essa é a ideia. Para mim não é populismo; é um dirigente revolucionário. Para mim e o processo venezuelano e Chávez são fundamentais para esse processo na América Latina.