quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Eduardo Galeano

Eduardo Galeano: Ainda temos capacidade de loucura!

O escritor uruguaio se submeteu a perguntas enviadas pelos leitores da BBC. A entrevista é incrível e segue abaixo, na íntegra.


- Quais são os ingredientes que usa na sua vida para manter o entusiasmo e a felicidade? Deveríamos engarrafá-los e distribuí-los, mas com patente.
EG - Engarrafá-los, eu não posso, porque se evaporam facilmente. O que têm de bom é que retornam sempre, mesmo se às vezes parece que foram embora para sempre. Suponho que por gentileza de Deus ou do Diabo.

- Para quem você escreve? É possível pensar – nas palavras de Umberto Eco – em um leitor modelo?
EG – Eu escrevo para os amigos que ainda não conheço. Os que eu conheço já estão fartos de me escutar.

- Eu lhe digo que não tenho dinheiro para comprar livros e tampouco onde eu vivo tem livrarias que os vendam. Por isso não sei o que lhe perguntar. Só me ocorre o seguinte: o que você sente de tanto escrever e escrever, quando finalmente o mundo continua mais ou menos igual ou pior?
EG – A verdade é que nem eu mesmo me entendo. Eu escrevo para os que não podem me ler, porque os livros estão tão caros que daqui a pouco serão vendidos em joalherias. Mas isso sim, acredite, as palavras viajam caminhos misteriosos e andam por onde elas querem, sem pedir autorização.

- De que equipe de futebol você é torcedor (No Uruguai e no mundo)?
EG – Eu ainda sou torcedor do Nacional, aqui no Uruguai, o clube dos meus amores desde minha mais tenra infância, mas sobretudo sou torcedor do bom futebol e quando esse milagre acontece, eu o agradeço sem olhar a cor da camiseta. E se o bom futebol provem de um clube pequeno, quase desconhecido, então melhor ainda.

- Alguma vez você disse que cai e levanta várias vezes ao dia. Eu não se como me levantar. Como você faz?
EG - Pode te parecer uma besteira, mas eu te juro o que eu penso: se eu caio, é porque eu estava caminhando. E andar vale a pena, mesmo se a gente cai. Eu sou caminhante, na beira do rio a que chamamos mar, aqui em Montevideu, caminho horas e horas, e as palavras caminham dentro de mim e comigo. Às vezes elas se vão e me custa muito seguir sozinho, sem elas.

- O que é a vida para você, em uma única palavra?
EG – Em quatro palavras, não em uma: uma caixa de surpresas.

- Com o que você sonha? Você tem um sonho reiterado?
EG – Meus sonhos são de uma mediocridade inconfessável. Os que mais se repetem são os mais estúpido, eu perco um avião, discuto com um burocrata, coisas assim. Que feio, não? Eu me consolo recordando aqueles versos de Pedro Salinas que dizem que: “os sonhos são verdadeiros sonhos quando se desensonham e em matéria moral encarnam”.

- Você escreve tomando mate?
EG – Não, eu já não tomo mate. Tive que parar, há anos, como deixei também o cigarro, que tanto me acompanhou durante tanto tempo. Agora eu escrevo com cerveja ou algum outro trago. E enquanto eu escrevo, falo sozinho, em voz alta. Quem me vê de longe pensa que eu sou um bêbado perdido. Perdido eu sou, talvez, não sei; mas bêbado, não. Eu gosto de beber e por isso não me embebedo: o trago exige que não lhe faltem ao respeito.

- Por que as pessoas continuam acreditando em Deus? Você considera que essa crença atrasa o ser humano?
EG – Deus é o nome que nós damos à fé e por isso é múltipla, mesmo se muitos acreditem que a diversidade da fé é uma heresia digna de castigo.

- O que você opina do Prêmio Nobel recebido por Barack Obama? Como se justifica receber esse prêmio?
EG – Me pareceu uma piada de mau gosto. Mas não é nada raro, levando em conta que há um século o Prêmio Nobel da Paz foi concedido a Teddy Roosevelt, um apaixonado da guerra, que até escreveu um livro propondo a guerra como remédio para a covardia e a fraqueza dos machos no mundo.

- O que você acha do nacionalismo e do patriotismo? São bons ou criam mais problemas? São partes inseparáveis da identidade?
EG – Antes de que se inventasse essa palavra horrível, globalização, que designa a ditadura universal do dinheiro, existia outra, linda, generosa, a palavra internacionalismo. Eu continuo preferindo-a. Para mim, continua significando algo assim como que podemos ser compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de justiça e vontade de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido onde tenham vivido, sem que importem nem um pouquinho as fronteiras do mapa, nem do tempo.

- Nossa América toda, tem possibilidades de se curar?
EG – Claro que sim. Não está tão doente, se a comparamos. Ainda temos, por exemplo, capacidade de loucura, que é o sintoma infalível da boa saúde.

- Eu gostaria de saber como você vê o século XXI. Com pessimismo? Com otimismo?
EG – Eu não acredito nos otimistas full-time. Esses são farsantes ou cegos. Eu sou otimista e também pessimista, conforme a hora e o dia, creio e descreio, celebro e lamento este tempo nosso e este mundo que nos toca viver. Cada tempo tem seu contratempo, é verdade, mas também é verdade que cada cara contem sua contracara. A contradição é o motor da vida: da vida humana e de todas as outras vidas.
Assumir isso me ajuda a não me arrepender das minhas tristezas, das minhas depressões, das minhas músicas ruins: elas são pares inseparáveis de mim. Não tenho mais talento do que aquele que provém da experiência; todo o trabalho que eu tenho todo dia perseguindo as palavras que fogem.

- Como você vê o mundo e o estado da sociedade atual? Você acredita que pode ficar de pé o mundo de cabeça pra baixo? O que você acha que faz falta para que se produza uma mudança transcendental em cada um dos habitantes deste planeta?
EG – Não sei, não creio nas fórmulas mágicas. Eu sei, simplesmente, por experiência, que vale a pena que a gente se una para lutar juntos pelas coisas em que vale a pena acreditar. Sós, sozinhos, pouco ou nada podemos fazer. Mais do que isso, eu te digo: não devemos desalentar-nos tão facilmente. Se as coisas não saem como a gente gostaria, bom, é preciso aprender a arte da paciência, é preciso aceitar que a realidade muda no ritmo que ela quer e não no que a gente decide que ela deva mudar. “Se a realidade não me obedece, não me merece”, dizem ou pelo menos acreditam alguns intelectuais. Eu não.”

- O que fazer diante do desânimo e da impotência depois de ler seus escritos? Que soluções você propõe diante da dominação e da exploração que sofremos sempre?
EG - Eu não vendo receitas da felicidade e te recomendo que não acredite nos bandidos que a vendem. Eu tampouco creio nos dogmáticos religiosos ou políticos que vendem certezas. Para mim, as únicas certezas dignas de fé são as que tomam café de dúvidas a cada manhã.

- Se você entrasse hoje numa máquina do tempo e ela o levasse cem anos para o futuro, o que acha que encontraria quando saísse dela?
EG - Não tenho a menor idéia, nem quero tê-la. Cada vez quem uma cigana se aproxima de mim e me pega a mão para ler o meu futuro, eu lhe peço que, por favor, não cometa essa crueldade. O melhor que tem o futuro é que tem muito mistério.

- O que é para você a esquerda? Por acaso essa dicotomia de esquerda contra direita não caducou na década de 70? Até quando o mal de muitos será culpa de uns poucos “malvados”? Até quando seguirá vendendo a vitimização como tática para a transformação social?
EG – A culpa é de todos, nos dizem os culpados de que as relações humanas tenham se envenenado e os culpados de que estejamos ficando sem planeta. Tinha razão dona Concepción Arenal, mulher luminosa, que se formou como advogada disfarçada de homem, com duplo corsê e teve a coragem de dizer o que os homens diziam, em meados do século XIX: “Se a culpa é de todos, não é de ninguém. Quem generaliza, absolve.”

- Estou de acordo com todos os males do capitalismo que o distinguido escritor coloca em destaque, mas e os males do socialismo? Qual seria a melhor via para um desenvolvimento mais humano?
EG – O século XX divorciou a justiça da liberdade. A metade do mundo sacrificou a justiça em nome da liberdade e a outra sacrificou a liberdade em nome da justiça. Essa foi a tragédia do século passado. O desfio do século atual consiste, acho eu, em unir a essas duas irmãs siamesas que foram obrigadas a viver separadas. A justiça e a liberdade querem viver bem pegadinhas.

- Como fazer que o mundo entenda a diferença entre a verdadeira esquerda, identificada com o povo, da demagoga, como a burocracia soviética ou a cubana?
EG – Cada um entende à seu modo e maneira, e age do seu modo e maneira. Eu sou muito respeitoso com as idéias e as vidas dos demais.

- Você não acha que as palavras “pobre” e “grátis” criaram uma mentalidade resignada nas pessoas deprimidas dado que, por esperar tudo grátis do “papai governo”, fazem muito pouco ou nada para superar suas condições de vida e preferem continuar vivendo na pobreza?
EG- A caridade pode produzir, as vezes, algo disso. A caridade é vertical, da esmola, semeia costumes ruins, como os folgados. Além disso, é humilhante. Como diz um provérbio africano, a mão que dá está sempre acima da mão que recebe. Mas as relações de solidariedade, que são horizontais, geram respostas completamente diferentes.

- Eu sempre me perguntei como você faz para encontrar combinações tão felizes de palavras, palavras que a gente escutou (e escreveu) centenas de vezes e que quando você as junta parecem um discurso novo.
EG – Muito obrigado pelo elogio. Eu só posso te dizer que nenhuma fada visitou meu berço. Eu não tenho mais talento do que o que provêm da experiência: o muito trabalho de cada dia é gasto perseguindo palavras que fogem.

- Há quase 40 anos de As veias abertas da América Latina, você pensou em escrever uma segunda parte?
EG – Na verdade todos escrevemos um único livro, que vai mudando e vai se multiplicando à medida que a vida vive e o escritor escreve. Para mim, As Veias Abertas foi um porto de partida, não um porto de chegada. Desde aí, eu acho, eu multipliquei minha visão do mundo.

Tradução: Emir Sader
        Extraido do site: http://www.patrialatina.com.br/

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Voz do Brasil e regulamentação da mídia

Na contra-mão dos esforços para a regulamentação, nota-se um incoerente silêncio do movimento de democracia na mídia em relação a uma iniciativa da ABERT e dos magnatas da mídia para flexibilizar a transmissão do mais antigo programa do rádio brasileiro ainda no ar, a Voz do Brasil. O programa surge de um esforço de regulação do estado sobre o campo informativo, na Era Vargas, levando informações relevantes para um público estimado em cerca de 80 milhões de ouvintes que, sem a VB, não possui praticamente outra via para ter acesso a informações sobre a atividade dos poderes públicos. O artigo é de Beto Almeida.
A regulamentação da mídia passou a fazer parte, com justiça, da agenda de debates políticos da sociedade brasileira. Após a Confecom, onde a proposta ficou entre as teses aprovadas, agora foi o próprio Governo Federal, por ação do Ministro Franklin Martins, da Secom, que, corajosamente, assumiu uma posição clara e inequívoca pela regulamentação de tal forma combater o verdadeiro exercício de tirania midiática no Brasil, um de seus maiores déficits democráticos.

Na contra-mão dos esforços para a regulamentação, nota-se um incoerente silêncio do movimento de democracia na mídia em relação a uma iniciativa da ABERT e dos magnatas da mídia para flexibilizar a transmissão do mais antigo programa do rádio brasileiro ainda no ar, a Voz do Brasil. O programa surge de um esforço de regulação do estado sobre o campo informativo, na Era Vargas, levando informações relevantes para um público estimado em cerca de 80 milhões de ouvintes que, sem a VB, não possui praticamente outra via para ter acesso a informações sobre a atividade dos poderes públicos.

Vencedor de vários prêmios de jornalismo, reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o Estado, o Governo e a Cidadania, a Voz do Brasil, se flexibilizada, resultará numa menor presença do público na vida dos brasileiros que vivem nos grotões do campo e da cidade, e que são praticamente proibidos da leitura de jornal ou revista. Menos informação sobre verbas para a saúde, sobre políticas públicas para a agricultura, a reforma agrária, a pesca, o meio-ambiente, os transportes, educação no campo etc. Por quê o silêncio?

Sem a Voz, crescerá o déficit democrático, o tempo de programação de qualidade duvidosa, que é o caracteriza grande parte do rádio no Brasil. Os que acusam o Voz do Brasil de ser “chapa-branca”, calam-se diante do fato de que o rádio comercial, predominante hoje, pode ser apresentado precisamente como “rádio chapa-mercado”. O curioso, pela incoerência que estampa, é que ao lado dos grandes empresários de mídia que patrocinam a flexibilização da Voz do Brasil - com o claro intuito de torná-lo sem audiência, facilitando sua extinção - encontram-se alinhados alguns atores do movimento de democratização da mídia.

Junto ao silêncio destes movimentos, que jamais apresentaram proposta para renovação e aperfeiçoamento do VB, há uma estranha atitude da Fenaj que mesmo tendo aprovado em seu recente Congresso a defesa da Voz, manteve a resolução na gaveta. Silêncio da Fenaj, dos sindicatos de jornalistas, dos movimentos sociais diante do risco da Voz. A Abert comemora esta paralisia de quem tanto fala em regulamentação.

Publicado em Carta Maior

Ipea e Socicom defendem regulação na área da comunicação




Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas, como o Plano Nacional de Banda Larga, sustenta estudo realizado pelo IPEA e pela Socicom.
São Paulo – Seja como vetor de entretenimento, educação ou cultura, a indústria da comunicação no Brasil poderia desempenhar um papel mais relevante do que o atual neste período de aceleração do desenvolvimento do país. Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas – por exemplo, através do Plano Nacional de Banda Larga, em gestação em Brasília desde o governo do presidente Lula.

Essa análise – em especial a necessidade de mais diálogo entre o setor da comunicação e o Estado – é recorrente na obra Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações, cujos três volumes foram lançados nesta terça-feira (12) durante seminário em São Paulo. O compêndio é inédito no setor da comunicação brasileira e pode ser atribuído ao esforço de pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Socicom (Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação), entidade que reúne quinze sociedades científicas brasileiras do campo da comunicação. Há artigos sobre tendências recentes da indústria, dados estatísticos sobre a abrangência do setor no Brasil, nos demais países da América Latina, em Portugal e na Espanha, além de um resgate da memória das associações científicas e acadêmicas brasileiras que estudam essas questões.

Ao participar do seminário, o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ressaltou o papel que as comunicações podem ter em um projeto de desenvolvimento nacional. Segundo ele, os bens imateriais do setor de serviços são hoje mais valorizados do que os bens materiais do setor industrial, o que justificaria o estudo dessas questões e a inclusão do setor em um projeto nacional de desenvolvimento. Para o presidente da Socicom, José Marques de Melo, a demanda por o que ele chama de “bom conteúdo” é grande, uma vez que apenas uma pequena parcela da população tem acesso a ele, enquanto a maioria vive sob um estado de exclusão “cognitiva”. “Estamos em um atoleiro em que a mídia não sabe o que é interesse público ou privado. Ela faz preponderantemente entretenimento, e é bom que o faça, mas é preciso divertir ensinando. A produção precisa ter conexão com a educação e a cultura.”, disse Melo, que também é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.

O presidente da Socicom chamou o lançamento do compêndio em parceria com o Ipea de um “momento histórico”. Para ele, essa articulação com um órgão ligado ao Estado indica que “o campo acadêmico da comunicação trilha o caminho da auto-estima, da consolidação e do compromisso público”. Enquanto outros setores da academia e da indústria nacional fizeram esse movimento há muito tempo, o setor da comunicação pagou o preço por ter seu desenvolvimento ocorrido apenas recentemente. Em sua fala, Melo refez os passos do setor enquanto área do conhecimento no país. Sua demarcação ocorreu apenas no final dos anos sessenta, por obra do jornalista Danton Jobim, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Jobim incentivou os debates entre profissionais do setor, acadêmicos e sindicalistas, permitindo a construção de uma identidade própria e a futura independência da área dos ramos das Letras e das Ciências Sociais. Fundador da Escola de Comunicação da UFRJ, em 1968, dava o primeiro passo para a criação de uma intelligentsia genuinamente brasileira entre pesquisadores do setor, permitindo a superação da dependência paradigmática de modelos externos.

Os avanços tecnológicos brutais dos últimos trinta anos colocaram a comunicação na agenda da sociedade civil organizada, dos sindicatos e de instituições públicas. A convergência digital obrigou a todos a discutirem a questão. Mas a razão não está apenas nela. De acordo com Gilberto Maringoni, professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e bolsista do Ipea, a comunicação entrou na agenda pública também por um fato político-social. Ele se refere à primeira Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, em 2009, um processo que incentivou o debate nos Estados e em Brasília, mobilizando empresários, movimentos sociais e a academia, entre 1600 delegados enviados dos quatro cantos do país.

Um outro fator que incentiva o debate sobre comunicação na agenda pública tem a ver com a conexão entre esse campo e o do desenvolvimento. Nesse aspecto, o Ipea assumiu papel protagonista ao incentivar as pesquisas do setor. A pergunta colocada é: dentro de um programa de desenvolvimento nacional, qual a comunicação que queremos? Maringoni arrisca uma resposta: seria um modelo em que todos tenham acesso ao serviço, mas também tenham voz. “Para isso, o debate precisa ser feito”, diz ele. O Código Brasileiro de Telecomunicações ainda é o de 1962. Rádios e tevês com concessões vencidas tornaram-se casos corriqueiros. Os artigos 220, 221 e 222 da Constituição, que tratam do tema da comunicação, ainda não foram regulamentados. “Quaisquer projetos que tratam de criar regras de convivência para o setor são taxados como censura pela grande mídia, enquanto são necessidades básicas de quaisquer outros setores da vida. Não faz sentido”, criticou Maringoni.

Diante de tantas lacunas regulatórias, o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, João Maria de Oliveira, co-autor de um estudo sobre banda larga publicado no compêndio, defende atividade estatal no setor. “É fundamental que haja ação do governo para coordenar investimentos públicos e privados e para que se evite a concentração dos serviços apenas nas áreas mais rentáveis”, disse ele. A banda larga é um pressuposto para a convergência digital e para a produção de conteúdos regionais, mas seu mercado ainda é marcado por grande concentração e falta de competição. Os dados coletados por Oliveira indicam que na região Sudeste, por exemplo, o preço do acesso à banda larga equivale em média a 1/3 do preço cobrado no Norte. Assim, explica o pesquisador, em uma sociedade multicultural e multimídia, as políticas públicas de regulamentação econômica dos mercados de comunicações podem assegurar que os potenciais benefícios das tecnologias convergentes possam ser difundidos e fomentem a heterogeneidade cultural do país.

A democratização da informação no Brasil

* Bárbara Lobato

Uma das propostas e frentes de trabalho do atual governo liderado pela presidente Dilma Rousseff está no pilar da comunicação. Prova disso é seu discurso, no dia 1º de janeiro, em que destaca o compromisso com a transparência e a liberdade no acesso às informações. Embora seja um discurso do governo federal, e que se projeta na fala do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ainda há muito a ser feito pelo Brasil no que diz respeito ao acesso à informação, principalmente para a internet.

Passada a época em que a comunicação era unidirecional, em que o receptor de mensagem apenas consumia conteúdo e o diálogo era sobre determinado assunto em mesas de bares, padarias ou igrejas, agora o Brasil – e o mundo – vive uma nova era. É claro que o Brasil avançou muito em termos de comunicação com a World Wide Web (que em português significa Rede de alcance mundial). Mas ainda estamos atrás de países como Argentina, Rússia e Grécia.

Um debate no espaço cibernético
O acesso à internet no Brasil é caro. Por volta de R$ 100,00. E é lento. Nenhuma das empresas garante a entrega da velocidade ofertada, e o consumidor, ao contratar os planos de velocidades inferiores, acaba pagando muito mais caro pelo megabite. É um entrave e o governo, sozinho, não conseguirá resolver. É preciso avançar o debate e as ações com as grandes empresas de telefonia. Precisamos de atitudes, mesmo que em projeto-piloto, para servir de exemplo de sucesso. Novas fórmulas demoram a ser implantadas e quase nunca dão certo no final.

Na ponta desse exemplo, temos o Gesac – os telecentros comunitários –, um programa do Ministério das Comunicações que já levou 12 mil pontos de banda larga para cerca de 5.000 municípios. É notório que o acesso ao debate e a busca pela transparência é uma bandeira levantada pela sociedade civil como a ferramenta em rede: a internet. Mas ainda há muito no que avançar para buscar a qualidade no acesso.

E que as informações sejam disseminadas para que uma evolução aconteça: um debate de esfera pública no espaço cibernético.

* Especialista em Comunicação e multimídia pela PUC-GO

Publicado no Observatório da Imprensa em 11/01/2011

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Gilmar Mendes perde ação contra jornalista Leandro Fortes e Carta Capital

 
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, perdeu a ação que movia contra o jornalista Leandro Fortes, da Carta Capital. No processo, o ministro do STF questionava a matéria "O empresário Gilmar Mendes", publicada na revista em 2008.

A reportagem tratava de uma ligação societária entre Gilmar e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma escola de Direito.
 
Segundo Leandro Fortes, o instituto havia fechado 2,4 milhões de contratos sem licitação com órgãos federais, principalmente após a chegada de Gilmar Mendes à presidência do STF. O ministro alegou que a matéria pretendia lhe "denegrir a imagem" e "macular sua credibilidade". No entanto, a juíza Adriana Sachsida Garcia, do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a ação e extinguiu o processo contra Leandro Fortes:

"Não se considera 'caviloso' o texto do jornalista porque não criou fatos ou incluiu inverdades, nem omitiu dados importantes ao bom entendimento da notícia. O autor reconhece que o Ministro Gilmar Mendes é sócio da empresa e detém a terça parte das quotas sociais. (…) Bem assim, a inicial admite a realização de contratos com vários órgãos do Poder Público no âmbito federal, com dispensa de licitação, por inexigibilidade", destacou a juíza.

Publicado no
Boletim do NPCNº 183

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ministro das Comunicações defende veto de concessão de rádio e TV a políticos

07/01/2011

Elvira Lobato
Folha de S. Paulo


Veto está previsto na Constituição, afirma Paulo Bernardo (Comunicações). Para o petista, é mais fácil o Congresso votar o impeachment de um presidente que rejeitar renovação de concessão
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo Silva, defendeu que os políticos sejam proibidos de ter concessão de rádio e TV.
Conforme a Folha revelou em dezembro, a proposta consta do anteprojeto de lei de comunicação eletrônica deixada pelo ex-ministro Franklin Martins, que o governo colocará em discussão.

Ele duvida que o Congresso aprove a medida, em razão do grande número de políticos com concessões -61 eleitos em 2010 informaram possuir rádio ou TV.
Uma semana depois de dizer que era a favor da limitação de 30% para o capital estrangeiro nos portais de conteúdo jornalístico na internet, o ministro recuou e disse não ter posição fechada.

Folha - O PT passa a administrar o Ministério das Comunicações. O que muda?
Paulo Bernardo -
Nas minhas conversas com a presidente Dilma, ela não mencionou nenhuma questão partidária. Ela entende que o Brasil precisa avançar a passos rápidos para promover a disseminação da radiodifusão e das telecomunicações. Não é possível transformar o Brasil em um país de classe média, como quer Dilma, sem massificar o acesso à internet.
Que destino o governo dará ao projeto de regulação da mídia eletrônica do ex-ministro Franklin Martins?
A minha opinião, que não é necessariamente a do governo, é que o projeto deve ser colocado em debate público. O projeto que resultar dessa discussão seguiria para o Congresso Nacional.
A mídia vive um momento de transição tecnológica. Existe também o receio de que o governo tente algum projeto para controlar a imprensa.
Esse cenário reforça minha convicção de que precisamos construir um marco regulatório. Há questões econômicas por definir: se teles vão fazer TV a cabo em larga escala, se a convergência das mídias se dará livremente ou se vai ter regra para o jogo. Acho que tem de haver regra.

O Brasil vive uma democracia política plena, embora careça de mais democracia econômica. A liberdade de expressão é vital na democracia, e ninguém no governo quer mexer nisso.
As empresas de comunicação defendem que o limite de capital estrangeiro de 30% válido para elas seja estendido aos portais de jornalismo na internet. Qual sua opinião?
O que está em discussão é se um portal de conteúdo jornalístico equivale a uma empresa de comunicação.

Há portais ligados a empresas de comunicação produtoras de conteúdo. Mas há outros que só reproduzem conteúdo de terceiros. Acredito que a discussão terá de ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal. Não tenho posição fechada.
Na semana passada, o sr. defendeu que os portais de jornalismo na internet tenham tratamento igual ao das empresas de comunicação, em relação ao capital estrangeiro. Mudou de opinião?
Foi uma declaração rápida sobre o tema. Levei muita paulada no Twitter por isso. Descobri que o Brasil tem tantos especialistas em comunicação quanto técnicos de futebol. Milhões de ministros das Comunicações.
Como o sr. vê a presença de igrejas na radiodifusão, que é uma concessão pública?
A Constituição também menciona que políticos não deveriam ser donos de radiodifusão. Isso mostra que há fragilidade no marco regulatório. As pessoas acham que falar em marco regulatório é uma afronta à liberdade de expressão. As igrejas procuram formas de difundir suas mensagens. Sem regulação, como poderei impor limites?
Pretende abrir uma discussão pública sobre a presença de políticos na radiodifusão?
O projeto deixado por Franklin Martins sugere a proibição. Como depende do Congresso, vai ser difícil aprovar. É mais fácil fazer o impeachment do presidente da República do que impedir a renovação de uma concessão de rádio ou TV.
Por que político não deve ter concessão?
É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico.
Como o governo vai massificar a oferta de banda larga, ao preço de R$ 30 a R$ 35 mensais, como prometeu?
Vamos fazer um esforço conjunto com Estados para reduzir impostos, costurar acordos com operadoras privadas, e atrair pequenos provedores. Será preciso uma força-tarefa. Os resultados não serão imediatos, mas em quatro anos haverá uma enxurrada de banda larga.
A Anatel e as teles não chegaram a acordo sobre metas de expansão de serviços em áreas remotas e carentes. O sr. já tem uma proposta?
As empresas foram à Justiça contra o plano de metas e contra a Telebrás. O ex-presidente Lula ficou bravo e me pediu para resolver. As operadoras tiraram as ações, e vamos negociar. Ainda não há acordo. A Anatel falou em R$ 1 bilhão; as teles, em R$ 5,7 bilhões. Há muita choradeira das empresas. Vamos negociar com planilhas de custos na mãos. Se o Estado tiver que pagar, vai pagar.
A Telebrás vai oferecer banda larga ao usuário final?
Não achamos que seja função da Telebrás levar banda larga ao usuário final. O papel dela será estimular a concorrência, baixando o preço da transmissão de dados no atacado. Mas, onde não houver grupo privado interessado em oferecer banda larga, ela pode fazê-lo.

Debate sobre liberdade de imprensa e regulação da mídia avança no mundo

Publicado  Outubro 2010

No domingo passado, três dos principais veículos impressos do país voltaram a destacar suas opiniões sobre o que consideram restrições à liberdade de imprensa, depois de críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à cobertura eleitoral. Para o presidente, a imprensa estaria se comportando "como um partido" de oposição.

Em um gesto pouco comum no Brasil, o jornal O Estado de São Paulo assumiu seu apoio ao candidato da oposição, acusando o governo de "perder a compostura" com as críticas. O editorial da Folha de S.Paulo, publicado na capa, afirma: "Fiquem advertidos de que tentativas de controle das imprensa serão repudiadas - e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo".

A revista Veja trouxe na capa texto sobre o artigo V da Constituição, que garante o direito à livre expressão, sob a manchete "liberdade sob ataque". A matéria acusa o presidente de censurar a imprensa. "Nos países democráticos, a liberdade de imprensa não é assunto discutível, mas um dado da realidade", diz o texto.

Veja como são as leis que regulamentam a imprensa em outros países:


O debate acalorado pode fazer parecer que a regulação da mídia é uma criação da agenda eleitoral do país, resultado de um embate entre governistas e opositores. Mas ela está longe de ser uma questão apenas brasileira. No mundo todo, tem avançado a discussão sobre como regular o setor e como equilibrar isso com a garantia da liberdade de expressão.

Para o pesquisador em políticas de comunicação Gustavo Gindre, ligado ao Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), é natural que isso aconteça. "O cenário da comunicação está mudando muito velozmente. A lei dos EUA já está antiga, e só tem 14 anos. Mesmo assim, ela sofre revisões periódicas. É quase uma obrigação dos países mudar as leis que não acompanham essas mudanças".

Debates sobre a regulação de mídia têm avançado em especial na América Latina, e não apenas nos países governados por partidos à esquerda. Nos últimos anos, México, Argentina, Equador e Venezuela propuseram novas leis.

No Brasil, o debate sobre a regulação do setor de comunicação tem esquentado desde 2009, quando foi realizada a Conferência Nacional de Comunicação. Tudo indica que a discussão deve pegar fogo depois das eleições. Está previsto para novembro um evento nacional para delinear um novo marco regulatório para o setor.

A "regra" é ter regra

O papel das leis de imprensa e das leis de mídia é regular as atividades dos meios de comunicação e balancear os limites entre o direito à livre expressão e à informação e os interesses individuais e coletivos de pessoas, empresas e grupos sociais.

Segundo o pesquisador Murilo César Oliveira Ramos, professor da Universidade de Brasília e conselheiro da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), a maior parte dos países tem regras para estabelecer o que pode e o que não pode no setor audiovisual, o que não significa prejuízo da liberdade de expressão.

"Tem várias maneiras de decidir o que deve ir ao ar ou não. Quando os EUA e o Canadá dizem que não pode ter propaganda comercial no meio de programas infantis, é um limite. Quando a legislação francesa estabelece que tem que ter programas feitos na França, é um tipo de regulação de conteúdo. No Brasil temos limites para propaganda de cigarro, por exemplo", diz ele. "Mas se você falar em imprensa a situação é diferente. Como os jornais e revistas não dependem de frequências públicas, têm uma ação regulamentar muito mais frouxa, com mecanismos mais próximos da auto-regulação no mundo todo, com raras exceções".

França

A Lei de Imprensa mais antiga em vigor é a da França, de 29 de julho de 1881, que influenciou países como Itália, Espanha e Portugal.

Ela garante a liberdade de expressão, com a livre circulação de jornais sem regulação governamental. O mesmo vale para a internet. Mas a mesma lei coloca limites como a possibilidade de ações judiciais em casos de infâmia ou difamação (ou seja, a publicação de informações prejudiciais à reputação de alguém sem base em fatos reais).

Também é proibido o incitamento a cometer crimes, discriminação, ódio ou violência. Em casos de discriminação, a multa pode chegar até a 45 mil euros ou detenção. E pela lei nenhum grupo de mídia pode controlar mais de 30% da mídia impressa diária.

A rédea na França é ainda mais curta no caso dos meios audiovisuais. O país tem uma agência reguladora independente, o Conselho Superior do Audiovisual, que aponta diretores para os canais públicos e outorga licenças para o setor privado (de 5 anos para rádio e 10 para canais de tevê). Também monitora o cumprimento de obrigações pela mídia como a função educativa e a proteção aos direitos autorais, podendo aplicar multa. Dos nove conselheiros, três são indicados pelo presidente, três pelo Senado e três pela Câmara dos Deputados.

O CSA tem a missão de garantir que a mídia audiovisual reflita a diversidade da cultura francesa. Ele garante, por exemplo, que as outorgas de TV e rádio sigam o pluralismo político - há rádios anarquistas, socialistas e até de extrema-direita - e que representem os grupos minoritários. Outra frente é a preservação da língua francesa. Há uma cota de músicas francesas que têm que ser transmitidas pelas rádios e, pela lei, 60% da programação de TV tem de ser europeia, sendo 40% de origem francesa.

Gustavo Gindre, que atualmente trabalha na Ancine (Agência Nacional de Cinema), acha a regra positiva. "Com a reserva de conteúdo os canais têm que se abastecer de produtores pequenos, médios e grandes. Isso estimula a produção independente, mas também incentiva a produção de grandes grupos de comunicação, como o Canal Plus, que produz conteúdo francês para vender no exterior, garantindo uma expressão da cultura francesa no cenário global".

Portugal

Há cinco anos Portugal instituiu sua própria agência reguladora, ainda mais poderosa que a francesa, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Além de ajudar da elaboração de políticas públicas para o setor, ela concede e fiscaliza concessões de rádio e tevê, telefonia e telecomunicações em geral, mas também regula jornais impressos, blogs e sites independentes.

Ao mesmo tempo, atende e dá encaminhamento a queixas vindas da população. Seus conselheiros são indicados pelos congressistas e aprovados pelo presidente da República. Em particular a entidade cuida de assegurar rigor, isenção e transparência no conteúdo, o pluralismo cultural e a diversidade de expressão, além de proteger o público mais jovem e minorias contra conteúdos considerados ofensivos.

Reino Unido

O pesquisador Murilo Ramos explica que esse modelo, de órgãos de regulação fortes, é uma característica dos países europeus. Ao mesmo tempo, prevalece um modelo de exploração público estatal, cujos conteúdo é pensado em termos estratégicos para o país. "O grande exemplo é a BBC inglesa", diz.

A BBC é uma empresa pública independente financiada por uma licença de TV que cada domicílio tem de pagar. A BBC controla a maioria da audiência do país com 14 canais de TV, cinco rádios nacionais, dezenas de rádios locais e serviços internacionais em 32 línguas - esses, essenciais para a influência britânica no cenário mundial.

Mas, apesar do domínio da BBC, o Reino Unido também incentiva o pluralismo. Em 2005, para fomentar as rádios comunitárias, o governo britânico começou a oferecer licenças de cinco anos para as rádios não legalizadas, além de uma verba inicial para que elas se legalizassem, com grande adesão.

Quanto à imprensa, o país não tem uma lei específica. A liberdade de expressão é protegida pela Lei de Direitos Humanos, de 1998, que também introduziu a privacidade como um direito essencial. A liberdade tem de ser compensada também com a proteção da reputação de pessoas contra difamação. Mas o principal limite, de acordo com a cultura jurídica britânica, é a necessidade de preservar a inviolabilidade de julgamentos. Assim, a principal preocupação é evitar qualquer interferência externa nos processos judiciais - por exemplo, os jornalistas não podem publicar detalhes sobre um criminoso ou sobre provas de um crime.

Em 2003, criou-se uma agência reguladora para o setor de mídia, o Ofcom (Office of Communications; em inglês, Departamento de Comunicações). Outro órgão importante é a PCC (Press Complaints Comission), uma comissão independente que recebe reclamações sobre a imprensa e negocia retratações fora do âmbito judicial. Os jornais, voluntariamente, aderem ao código de procedimentos da PCC, que foi aprovado pelo Parlamento.

Itália

Na Itália, a legislação tem cada vez mais influência do governo, ou melhor, do primeiro-ministro.

Em junho, protestos se seguiram à aprovação da "lei da mordaça" proposta por Silvio Berlusconi, que limita o uso e difusão das escutas telefônicas em investigações oficiais, prevendo pena de até 30 dias de prisão e multa de até 10 mil euros. Os principais canais comerciais e agências de notícia pararam sua programação em protesto.

Dos 8 canais nacionais abertos, três são estatais e três controlados pelo grupo Mediaset, de Berlusconi. Juntos, os grupos RAI, estatal, e Mediaset controlam 85% da audiência e 90% dos anúncios. Como Berlusconi pode orientar a linha de ambos os grupos, ele controla a mídia.

De acordo com uma lei de 1997, a Itália tem um um órgão colegiado para supervisionar o setor de telecomunicações, a mídia eletrônica e a imprensa - a Autoridade pela Garantia na Comunicação. O presidente do órgão é escolhido pelo governo e o conselho de oito membros, eleito pelo parlamento. Mas seu papel é enfraquecido num cenário de forte concentração. Do mesmo modo, a Ordem dos Jornalistas reivindica o papel de monitor ético dos seus membros, mas não tem muito poder.

Estados Unidos

Nos EUA, não há uma lei de imprensa e, sim, uma série de regras contidas em diferentes legislações. Mas, segundo a tradição norte-americana, a liberdade de imprensa é garantida pela famosa primeira emenda da constituição, que garante a liberdade de expressão como um dos direitos mais fundamentais da sociedade. Todas as outras regulações da imprensa são elaboradas a partir dessa premissa.

Assim, os jornais funcionam sem qualquer regulação governamental. O mesmo se aplica à internet. Já os canais de TV e rádio são supervisionados pela FCC (em inglês, Comissão Federal de Comunicações), formada pela Lei de Comunicação de 1934 (são seis membros escolhidos pelo presidente e aprovados pelo Senado) e também por comissões no Senado e na Câmara, além de decisões da corte suprema. A legislação garante o direito de processo caso alguém se sinta vítima de difamação por parte da mídia.

O professor Murilo Ramos explica que, nos EUA, os canais públicos acabam sendo marginais em relação às grandes empresas comerciais. Mas é um erro afirmar que não há regulação.

"Há uma regulação forte e um órgão regulador ativo para o setor audiovisual. A FCC tem conflitos o tempo todo com os radiodifusores. E tem ações fortes. Alguns anos atrás, por exemplo, aplicou uma multa pesadíssima contra a CBS porque a cantora Janet Jackson mostrou um seio na final do campeonato de futebol americano", explica.

Mesmo assim, a regulação midiática segue uma visão liberalizante: acredita-se que o mercado e a opinião pública devem ser os principais reguladores do conteúdo, com o mínimo de interferência do governo possível. Somente quando há uma percepção generalizada de abuso o FCC estuda novas legislações ou a aplicação da legislação com mais rigidez. Foi o caso do seio de Jackson. As regras vetam, por exemplo, a exibição de cenas consideradas indecentes e obrigam todos os canais a transmitir pelo menos três horas por semana de programação educativa para crianças.

"A verdade é que os limites de propriedade, que ainda são mais fortes nos EUA do que aqui no Brasil, têm sido abrandados nos últimos anos. Nos anos 1960 havia uma obrigação de ter produções independentes na TV, e isso vem sendo abrandado pelo FCC em prol dos grandes grupos de comunicação", diz Gustavo Gindre.

fonte: Opera Mundi e Fundação Lauro Campos

Para onde vai a Europa?

Foto: manifestação em França, Maio de 2010. Foto de Philippe BIDET, Phototèque du Mouvement Social
"Não cabe aos trabalhadores pagar a crise dos especuladores"

A resposta à crise proposta pelos mercados (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) é cada vez mais voraz. A União Europeia necessita de outra estratégia. Estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. O artigo é de Sami Nair.
Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.

O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).

Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.

Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.

Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?

A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?

Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro,
em Bruxelas.

Para
relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.

Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.

(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)

Tradução: Katarina Peixoto/Carta Maior
Carta O Berro

Ipea lança em SP livro sobre comunicação e telecomunicações

Obra organizada pelo Ipea e Socicom será lançada na terça-feira,11, com a presença de especialistas e acadêmicos O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom) lançam na terça-feira, 11, às 8h30, a obra Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações. A pesquisa, uma iniciativa inédita no Brasil, será lançada no escritório da Presidência da República em São Paulo (Avenida Paulista, 2.163, 17º andar), com a participação do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e do presidente da Socicom, José Marques de Melo.
A obra traça um panorama do setor de comunicação e telecomunicações, estratégico para o País, que, apesar de ser muito debatido, não é objeto de muitas pesquisas por parte dos órgãos de estado. Nos três volumes do livro, foram reunidas diferentes dimensões que se complementam e ajudam na elaboração de futuras políticas públicas para o País. O estudo conta com a participação de pesquisadores renomados da comunicação no Brasil. Mestres e doutores de várias partes do País foram selecionados por meio de chamada pública para participar da pesquisa.
O primeiro volume é dividido em duas partes. A primeira traz o estudo das tendências nas telecomunicações e reúne artigos escritos exclusivamente para o livro, além de textos publicados originalmente na edição especial do Boletim Radar, do Ipea, sobre telecomunicações. A segunda parte traz artigos que oferecem um panorama das indústrias criativas e de conteúdos.
O segundo volume da obra é dedicado a resgatar a memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no Brasil. O texto descreve e diagnostica a produção de conhecimento nos principais segmentos da comunicação nacionalmente institucionalizados ou publicamente legitimados nesta primeira década do século XXI.
No terceiro volume, é apresentado o resultado parcial de quatro pesquisas sobre o Estado da Arte no campo da comunicação. O volume traz dados sobre o número de faculdades e cursos de pós-graduação em comunicação no país, com áreas de concentração e crescimento; sobre as profissões existentes na área e as novas habilidades necessárias para uma indústria de conteúdos e serviços digitais; e sobre as indústrias criativas e de conteúdos e os movimentos das empresas em direção ao modelo digital, além de uma comparação com outros países, possibilitando a análise das fragilidades e potencialidades do Brasil.

Veja o conteúdo da obra:

Volume 1
Colaborações para o debate sobre telecomunicações e Comunicação

Indústrias criativas e de conteúdo: O dilema brasileiro para a integração do massivo ao popular
Comunicação Digital - diálogos possíveis para a inclusão social
1ª. Parte - Tendências Econômicas
A hora e a vez dos países-baleias
2ª. Parte - Tendências nas Telecomunicações
Neutralidade de redes na internet: democracia ou economia?
Efeitos da convergência sobre a aplicação de políticas públicas para fomento dos serviços de informação e comunicação
Tendências tecnológicas mundiais em telecomunicações
Capacitações científicas do Brasil em telecomunicações
Diferenças de escala no mercado de equipamentos de telecomunicações
Compras governamentais: análise de aspectos da demanda pública por equipamentos de telecomunicações
Balança comercial de equipamentos de telecomunicações
3ª. Parte - Panorama da Comunicação
Aspectos técnicos e econômicos da implantação da TV Digital Interativa como um modelo internacional de inclusão
Estado, Cinema e Indústrias Criativas e de Conteúdos
Comunicações na América Latina: progresso tecnológico, difusão e concentração de capital (1870-2008)
Comunicação institucional do poder público
Números impressionantes e diversidade marcam a mídia dos Brics
Novos desafios ao direito autoral no jornalismo

Volume 2
Memória das associações científicas e acadêmicas de Comunicação no Brasil

A Emergência do Campo da Comunicação no Brasil
Socicom: associações científicas e acadêmicas em torno do papel estratégico da Comunicação
Antecedentes, desenvolvimento e desafios do campo acadêmico da Comunicação
Intercom: 33 anos de pluralismo, soberania e liberdade
A História da Compós – lógicas e desafios
Antecedentes, tendências e perspectivas da Pós-Graduação em Comunicação
Breve relato sobre a fundação da Socine, seus objetivos e primeiros anos
Pensando a Socine
A História da Forcine
A produção de conhecimento no campo do Jornalismo
SBPJOR: Uma conquista dos pesquisadores em Jornalismo
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo- FNPJ
As origens da Semiótica no Brasil
ABES, recriação e percurso de uma associação
Economia Política da Comunicação (EPC)
ULEPICC-Brasil: a institucionalização da EPC brasileira
Evolução e perspectivas do campo acadêmico da Comunicação Organizacional e das Relações Públicas
A História da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação
Organizacional e de Relações Públicas (Abrapcorp)
ABCiber – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura
ALCAR: a história de um “pragmatismo utópico”
História da mídia no Brasil, percurso de uma década
Politicom: o marketing político entre a pesquisa acadêmica e o mercado profissional
Folkcom - Origens da entidade
Folkcomunicação: memória institucional

Volume 3
Tendências na comunicação

Panorama da Produção de Conhecimento em Comunicação no Brasil
Tendências Ocupacionais e Profissionais
A Digitalização nas Indústrias Criativas e de Conteúdos Digitais
Panorama da Comunicação em 11 países da Comunidade Ibero-Americana

Divulgado pela Assessoria de Imprensa do Ipea e Portal Vermelho