sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES



Cinquentenário sem festa

Por Laurindo Lalo Leal Filho em 13/12/2011 na edição 672
Reproduzido da Agência Carta Maior  
Em 1962, a “era do rádio” havia chegado ao fim e a televisão dava os primeiros passos para se tornar o meio de comunicação hegemônico no mundo.
Naquele momento, no entanto, ainda era frágil no Brasil, com imagens em preto e branco, transmissões atingindo distâncias limitadas e um uso ainda incipiente do videotape, recém chegado ao país.
Mas as perspectivas comerciais e políticas do novo veículo eram percebidas com clareza por empresários e políticos, geralmente as duas coisas ao mesmo tempo. Tanto é que não perderam tempo. Os que possuíam concessões de rádio obtiveram as de TV sem concorrência, alegando tratar-se apenas de uma extensão tecnológica e não de um novo meio de comunicação. Semelhante ao que ocorreu agora com a distribuição de frequências digitais para os grupos que já detinham as analógicas.
Quase caduca
Na época, como hoje, tudo isso ocorria sob uma fragilidade legal, conveniente para os empresários da comunicação. Sentiam-se poderosos, mantinham governos – o segundo de Getúlio Vargas e o de Juscelino Kubitscheck – sob constante pressão. Não havia motivo para cogitarem de leis reguladoras de suas atividades.
O alerta soou mais forte diante da instabilidade dos sete meses de poder janista e, principalmente, das propostas reformistas de Jango. Os empresários sentiram que as pressões populares poderiam chegar à comunicação e trataram de se antecipar.
Elaboraram um Código de acordo com seus interesses e detendo forte poder no Congresso, como agora, conseguiram aprová-lo. Fizeram uma lei destinada a privatizar o espaço público, perpetuando privilégios e tirando do Estado sua função reguladora.
O presidente João Goulart sentiu o golpe e vetou 52 artigos da lei aprovada pelo Legislativo. A resposta do Congresso foi fulminante: derrubou todos os vetos presidenciais, revelando a força política do empresariado e a falta de sustentação parlamentar do governo.
Em meio às discussões em torno da derrubada dos vetos presidenciais, os radiodifusores reunidos em Brasília fundaram a Abert, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, até hoje zelosa defensora de seus interesses.
“A criação da Abert refletia a mobilização dos empresários do setor, que haviam se organizado em função dos debates acerca do Código Brasileiro de Telecomunicações e, posteriormente, em oposição aos vetos de João Goulart. Posicionavam-se, assim, contrariamente ao fortalecimento da presença do Estado na radiodifusão brasileira”, ressaltam Pieranti e Martins em artigo acadêmico sobre o tema [Pieranti, O. P. e Martins, P.E.M. – "A radiodifusão como um negócio: um olhar sobre a gestação do Código Brasileiro de Telecomunicações" in Revista de Economia Política de las Tecnologias de La Información y Comunicación, São Cristovão, vol.IX, nº 1, jan-abr/2007].
Cinquenta anos depois a força da Abert cresceu e o Código, apesar de mutilado, segue em vigor. O principal corte foi realizado durante o governo Fernando Henrique, em 1995, com a retirada da telefonia da lei, separando-a da radiodifusão, ato contrário à tendência global de juntá-las para dar conta do atual processo de convergência dos meios.
A razão desse anacronismo brasileiro estava na urgência de um marco legal para permitir a privatização das telecomunicações sem mexer no vespeiro político-econômico da radiodifusão. Restou-nos uma lei quase caduca para o rádio e a TV, indevidamente chamada de Código Brasileiro de Telecomunicações.
Instâncias imprescindíveis
Mas se o problema fosse só titulo, não seria grave. A questão é que trata-se de uma lei formulada segundo interesses privados, elaborada em condições culturais e tecnológicas radicalmente diferentes das hoje existentes.
Em 1962, cerca de 70% dos brasileiros viviam no campo. Hoje, segundo o Censo do IBGE de 2010, apenas 18% seguem na zona rural. A pílula anticoncepcional e a minissaia ainda estavam por vir e a tecnologia digital disseminada, um sonho. Mas a lei é a mesma.
O pouco dela aproveitável não se cumpre. Como o disposto no Artigo 124 que limita em 25% da programação o tempo destinado à publicidade. Desafiando à lei, emissoras vendem joias, tapetes e outras mercadorias usando 100% dos seus horários de programação. Outras fazem o mesmo de forma não tão escancarada. Mas se somarmos o tempo dos anúncios veiculados nos intervalos com os dos merchandisings, poucas ficariam dentro dos limites legais.
Em meio século o setor concentrou-se de maneira brutal exigindo normas modernas para romper com a propriedade cruzada dos meios, talvez o maior obstáculo ao aprofundamento da democracia brasileira.
Confortáveis com a fragilidade legal existente hoje, os radiodifusores até há pouco tempo nem queriam pensar num novo marco regulatório para o setor. Com as teles começando a produzir conteúdos audiovisuais mudaram de opinião e até apoiam uma nova regulação. Mas bem limitada.
Se em 1962 queriam a lei por temer reformas impulsionadas por um governo popular, hoje voltam a apoiá-la acuados pelo poder de fogo das empresas de telefonia. E nada mais.
São insensíveis ao problema da propriedade cruzada dos meios, chegando a dizer em documento recente publicado pela Abert que discutir esse tema “significaria um retrocesso” sem explicar bem por que [Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) – “Contribuições para o Seminário de Comunicação do PT” in Seminário por um novo marco regulatório para as comunicações: o PT convida ao debate – Partido dos Trabalhadores – São Paulo, 25/11/2011].
Não querem nem ouvir falar da existência de órgãos reguladores, imprescindíveis para dar cumprimento às leis e estabelecer a ponte necessária entre as emissoras e o público, comuns em vários países.
Apele o bispo
A existência de uma lei moderna, com a atuação eficaz de um órgão regulador permitiria, por exemplo, a aplicação de sanções em casos de má utilização do serviço público de rádio e TV.
Como ocorreu recentemente, na madrugada de uma segunda-feira, quando a Bandeirantes exibia um clássico do cineasta Federico Fellini, Satyricon. Sem avisar, cortou a última parte do filme, substituindo-a por um programa de televendas e por um religioso.
Em casa, o telespectador não tem a quem reclamar. E a emissora, certa da impunidade, seguirá com a mesma prática exaltando a terra sem lei em que vivemos. Há quase 50 anos.
***
[Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e autor, entre outros, de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho]

FNDC elege Coordenação Executiva para 2012-2013


13/12/2011 |
Redação
FNDC
Márcia Schuler
Coordenação Executiva eleita na
XVI Plenária
Foi aprovada a ampliação da coordenação, que passa a contar com representantes de nove entidades

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação elegeu, em sua XVI Plenária, a Coordenação Executiva para o biênio 2012-2013. O evento ocorreu nos dias 9 e 10 de dezembro no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, na capital paulista. Na ocasião, aprovou-se o acréscimo de três novas vagas para entidades na coordenação.

Mantiveram-se os representantes da Central Única dos Trabalhadores - CUT, que responderá pela Coordenação-Geral, na pessoa de Rosane Bertotti; do Conselho Federal de Psicologia – CFP, Roseli Goffman, que ocupará a Secretaria Geral ; da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço, José Luiz Nascimento Sóter, como Coordenador de Mobilização e Organização; e da Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões – Aneate, Berenice Mendes Bezerra, na Assessoria de Políticas Públicas. A Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão – Fitert, que já fazia parte da coordenação, conta com um novo representante, Marco Antonio Ribeiro, que ocupará o cargo de Coordenador Tesoureiro.
Entre as novas entidades que compõem a coordenação estão o Centro de Estudos Barão de Itararé, representado por Renata Mielli, como Coordenadora de Comunicação; o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, na pessoa de João Brant; a Associação Brasileira de Radiodifusão Pública, representada por Orlando Guilhon; e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações, na pessoa de Edison Pedro de Lima. As três últimas entidades integrarão a Assessoria de Políticas Públicas junto à Aneate.
O mandato da atual executiva, coordenada por Celso Schröder, da Federação Nacional dos Jornalistas, vai até 31 de dezembro.
A XVI Plenária do FNDC contou com a participação de 21 entidades nacionais e regionais e 11 comitês do Fórum. No total, participaram 84 pessoas, sendo 44 delegados e 40 observadores.
Painéis
Na mesa de abertura do evento, estiveram presentes Cezar Alvarez, secretário-executivo do Ministério das Comunicações; Mauro Porto, representante da Fundação Ford; deputado federal Emiliano José (PT-BA); e Celso Schröder, como mediador. Os convidados falaram sobre as dificuldades da luta pela democratização dos meios e descreveram o cenário das comunicações no Brasil. “Os monopólios de mídia vêm com um panfleto reles, dizendo que queremos acabar com a democracia, limitar conteúdos. Nunca dissemos isso. Apenas pregamos o direito à comunicação e o respeito à constituição”, afirmou o deputado Emiliano José.
Ainda no primeiro dia de plenária, foi realizado o Painel Marco Regulatório – com o pesquisador em telecomunicações Marcus Manhães, João Brant e José Sóter –, e o Painel Fortalecimento do FNDC, em que a atual coordenação executiva realizou um balanço dos 20 anos do Fórum. No segundo dia do evento, foram debatidas as 28 teses enviadas pelas entidades e comitês participantes. A Secretaria Executiva do FNDC fica responsável pela sistematização das resoluções da Plenária, que serão publicadas posteriormente.
Revista
Durante a XVI Plenária do FNDC, foi lançada a 12ª edição da revista MídiaComDemocracia, que traz como tema central a Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações. A publicação já está disponível no site do FNDC. 


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

12ª edição da revista MídiaComDemocracia




Durante a XVI Plenária do FNDC, foi lançada a 12ª edição da revista MídiaComDemocracia, que traz como tema central a Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações. A publicação já está disponível no site do FNDC.


O evento ocorreu nos dias 9 e 10 de dezembro no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, na capital paulista.

Regular a mídia para democratizar a comunicação


DEBATE ABERTO


A bandeira da democratização da mídia esconde uma falácia: insinua que a grande mídia, privada e comercial, seria passível de ser democratizada. Em termos da teoria liberal da imprensa, isso significaria trazer para dentro de si mesma “o mercado livre de ideias” representativo do conjunto da sociedade, isto é, plural e diverso.

Publicado originalmente na revista Teoria e Debate, n° 95, dezembro de 2011.

Ao longo de 2011 participei de diversos debates sobre a mídia em diferentes estados brasileiros, e em todos certas questões sempre aparecem. O que significa democratizar a comunicação? Controle social da mídia é censura? A internet democratiza a comunicação? Liberdade de expressão e liberdade de imprensa são a mesma coisa? O que é “marco regulatório das comunicações”?

Os debates e suas perguntas recorrentes expressam a existência de um inegável “mal-estar” generalizado e cada vez mais difícil de esconder. Até mesmo a grande mídia está sendo obrigada a reconhecer que, independentemente de sua vontade, as transformações por que ela passa em decorrência da revolução digital e seu papel na democracia finalmente entraram na agenda pública e estão, sim, sendo debatidos.

Nesse contexto, uma diferença conceitual que me parece fundamental é aquela existente entre regular a mídia e democratizar a comunicação.

Em artigo publicado no Observatório da Imprensa nº 555, há mais de dois anos, chamei a atenção para o fato de que “democratizar a comunicação” tem sido uma espécie de bandeira histórica dos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o avanço no setor.

Todavia, essa bandeira esconde uma falácia: insinua que a grande mídia, privada e comercial, seria passível de ser democratizada. Em termos da teoria liberal da imprensa, isso significaria trazer para dentro de si mesma “o mercado livre de ideias” (the market place of ideas) representativo do conjunto da sociedade, isto é, plural e diverso.

Argumentei que essa bandeira encontra dificuldades incontornáveis identificadas, sobretudo, com relação aos mitos da imparcialidade e daobjetividade jornalística e da independência dos conglomerados de mídia. Ademais, mostrou-se inviável em sociedades como a Inglaterra, onde existe uma tradição historicamente consolidada de imprensa partidária.

“Democratizar a mídia”, portanto, seria viável apenas por meio de políticas públicas que garantam a regulação do mercado das empresas de mídia (a não oligopolização), vale dizer, basicamente, a concorrência entre as empresas que exploram o serviço público de radiodifusão e/ou as empresas de mídia impressa (que publicam jornais e revistas). E mais: estimulando a “máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker) através da criação e consolidação de sistemas alternativos de mídia – públicos/comunitários.

As normas e princípios para esse fim já estão na Constituição Federal, sobretudo no §5º do artigo 220, que diz expressamente que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”, e no “princípio da complementaridade” dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão, inserido no artigo 223, como critério a ser observado para as outorgas e renovações das concessões desse serviço público. Só que, como todos sabemos, essas normas e princípios não foram regulamentados pelo Congresso Nacional, e, portanto, não são cumpridos.

Por óbvio, regular o mercado nada tem a ver com regular o conteúdo da mídia existente.

Já a democratização da comunicação é um processo no qual temos avançando, em especial, por intermédio das potencialidades oferecidas pela internet. Aqui a bandeira principal é a inclusão digital, por meio da oferta de computadores a preços acessíveis a todos os segmentos da população e da universalização da banda larga, possibilitando a todos acesso de qualidade ao espaço interativo da internet.

Regular o mercado de mídia e democratizar a comunicação são, na verdade, aspectos complementares da conquista do direito à comunicação.

Tenho reiterado que conquistá-lo significa garantir a circulação da diversidade e da pluralidade de ideias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual e coletiva. Essa garantia tem de ser buscada tanto “externamente” – pela regulação do mercado (sem propriedade cruzada nem oligopólios, priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal e a criação e consolidação de sistemas públicos/comunitários alternativos) – quanto “internamente” à mídia – cobrando o cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística possíveis. E tem de ser buscada também no acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de superação da unidirecionalidade da mídia tradicional pela interatividade da comunicação dialógica, vale dizer, garantindo a participação e a presença de mais vozes no debate público.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Começa amanhã a XVI Plenária do FNDC - Confira a programação e as Teses propostas


08/12/2011




FNDC

As entidades que participarão da XVI Plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), nos dias 09 e 10 de dezembro, em São Paulo, inscreveram 22 teses que serão debatidas na manhã de sábado. 

O encontro será realizado no auditório do Sindicato dos Jornalistas de SP, localizado na rua Rego Freitas, 530, bairro República.
Confira, a programação e as propostas:

PROGRAMAÇÃO DA XVI PLENÁRIA
09/12/2011 - sexta-feira
Manhã
8h às 9h: Credenciamento
9h: Abertura Oficial – Convidados: Cesar Alvarez - Ministério das Comunicações; Mauro Porto - Fundação Ford; Emiliano José - Deputado Federal. Coordenação: Celso Schröder
10h: Apreciação do Estatuto do FNDC
10h30min: Intervalo para café
10h45min: Painel Marco Regulatório – Venício Lima e Marcus Manhães. Mediação: Berenice Mendes Bezerra
12h30min: Intervalo para almoço
Tarde
14h30min: Painel Fortalecimento do FNDC – Coordenação Executiva. Mediação: Orlando Guilhon
16h: Intervalo para café
16h15min: Apresentação do relatório da atual gestão
20h30min: Jantar de confraternização para delegados e observadores
10/12/2011 - sábado
Manhã
9h: Discussão e aprovação de Teses e Propostas de Resoluções. Coordenação: Rosane Bertotti e Roseli Goffman
12h: Intervalo para almoço
Tarde
14h: Eleição para a nova composição da Coordenação Executiva e dos Conselhos Fiscal e Deliberativo do FNDC para o exercício 2011/2013. Coordenação: Celso Schröder e José Luiz Nascimento Sóter
a) apresentação de chapas
b) votação aberta
16h: Posse dos novos dirigentes e Encerramento da Plenária.

Teses e Propostas de Resolução: AQUI

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Pré-Sal deve financiar fundo de educação, defende economista



Em entrevista exclusiva à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares defende que o dinheiro do petróleo das reservas do pré-sal seja investido num fundo destinado à Educação e Saúde, mas desde que o governo federal seja o gestor dessas políticas. Ela propõe ainda uma revisão do generoso municipalismo instituído pela Constituição de 1988. "Veja o que os municípios que ganharam royalties fizeram com o dinheiro. Nada", afirma.

A economista Maria da Conceição Tavares tem 81 anos e adquiriu o direito de falar tudo o que pensa. E está longe de fazer isso com moderação. Na última segunda, em seminário promovido pelas fundações Perseu Abramo, do PT, Leonel Brizola, do PDT, Maurício Grabois, do PCdoB e João Mangabeira, do PSB, ela estava na primeira mesa, debatendo a crise mundial e os caminhos para o Brasil nesse momento histórico conturbado, que atingiu em cheio os países mais ricos. Com um pequeno intervalo para o almoço, foi para a primeira fila da plateia, com direito a intervir quando achava necessário nas exposições dos que a sucederam - muitos deles, seus ex-alunos na Unicamp, como Ricardo Carneiro e Marcio Pochmann.

Não é incomum, todavia, que esteja dialogando com ex-alunos, corrigindo-os ou emitindo juízos de valor sobre eles. A presidenta Dilma Rousseff também passou pelos bancos da Unicamp. "Foi uma aluna brilhante", comentou no intervalo do evento, em uma entrevista exclusiva à Carta Maior.

Conceição, de origem portuguesa mas brasileiríssima, traz de Portugal o sotaque, ao qual incorporou a informalidade brasileira. Nesse arranjo linguístico, moldou uma linguagem dramática, onde os palavrões são imprescindíveis para fazer o interlocutor entender a gravidade do que está falando. Foi no estilo Conceição que falou à Carta Maior, sem evitar qualquer tipo de controvérsia.

"Deus me livre do Pré-Sal", disse, no seminário. E depois explicou: os países exportadores de petróleo acharam que estavam deitados em "berço esplêndido" e não fizeram mais nada. Como na Venezuela. "O homem que está lá [Hugo Chávez] fez um pouco de política social, mas nenhuma política de desenvolvimento econômico". Defende que o dinheiro do petróleo seja investido num fundo destinado à Educação e Saúde, mas desde que o governo federal seja o gestor dessas políticas. Aliás, ela propõe uma revisão do generoso municipalismo instituído pela Constituição de 1988, uma vitória das esquerdas que brigaram pelo fortalecimento de outras instâncias federativas por acharem que esse era um antídoto à tradição antidemocrática do Estado brasileiro. "Veja o que os municípios que ganharam royalties fizeram com o dinheiro. Nada."

Petista desde sempre, a economista afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi bom nas políticas sociais que empreendeu em seu mandato, na política de relações exteriores e exerceu o poder dentro de uma fortet noção de soberania, mas não foi nada bom na economia. No começo, diz ela, Lula não tinha outra alternativa a não ser fazer uma política econômica ortodoxa. Mas depois "deu muita confiança para o Palocci e para aquele presidente do Banco Central". Dilma ganha nessa, porque tem uma equipe melhor e sabe o que está fazendo. Conceição também faz menção especial às "mulheres do Planejamento" -- não apenas à ministra Deise Hoffman, mas a subsecretárias que, na sua visão, são "mulheres duras". Abaixo, a íntegra da entrevista da economista à Carta Maior.

CARTA MAIORNa sua exposição, a senhora disse que `Deus me livre do Pré-Sal'. Por que o Pré-Sal pode ser tão ruim?

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES: País exportador de petróleo é um desastre total. Nenhum país que fez isso deu certo. Os países exportadores de petróleo se deram mal completamente. Veja México, Rússia e Venezuela. O petróleo é uma commmoditie muito instável, muito sujeita a especulações no mercado futuro. E como é muito lucrativo, o país reinveste e não faz mais nada, senão petróleo. Veja, por exemplo, a Venezuela. O homem que está lá [Hugo Chávez] há tantos anos, o que ele fez? Um pouco de política social, mas nenhuma política de desenvolvimento econômico. E a Rússia, tem o quê? Tem petróleo e armas -- e isso não é muito legal. 

Não estou dizendo que não se exporte petróleo, mas que não se fique nadando na riqueza petrolífera e que não deite em cima dela. Não acho que é um berço esplêndido. Não se pode deixar o petróleo contaminar as expectativas. O pessoal começa só a pensar em petróleo e não faz mais nada.

CARTA MAIOR: Não achar que é a loteria, né?

CONCEIÇÃO: Todos os países que têm petróleo acharam que ganharam a loteria. 

CARTA MAIOR: Como se faz para prevenir isso? 

CONCEIÇÃO: Primeiro, não exportando apenas o petróleo bruto. Tem que fazer a cadeia toda: petroquímica, fertilizantes etc. E, ao mesmo tempo, fazer um fundo federal de petróleo para dar conta pelo menos da Educação e Saúde -- e talvez Ciência e Tecnologia. Mas não se pode polvilhar o fundo. Não adianta ficar picando o fundo porque isso não resolve nada.

CARTA MAIOR: A briga federativa em torno do Pré-Sal, então, não é boa.

CONCEIÇÃO: Não, não é boa, simplesmente porque espatifa os recursos.

CARTA MAIOR: Os Estados impõem dificuldades a uma política nacional de desenvolvimento?

CONCEIÇÃO: Impõem, mas não podem impor. A Petrobras é uma empresa estatal, federal, e o governo federal não pode topar e permitir que cada um faça o que lhe dá na telha. Não dá para disputar os recursos todos. Isso não vai adiantar nada. O que a gente faz com o dinheiro dos royalties aqui [no Rio]? Nada. O que as prefeituras com recursos do petróleo fizeram? Nada. Jogam fora os recursos em gastos correntes e ninguém sabe no quê. Não deram prioridade à Educação ou à Saúde. Espatifar o fundo não pode. O fundo é federal, e os Estados e Municípios não dão conta de fazer nada. É preciso que se faça políticas federais de Educação e Saúde, agora mais orientadas estrategicamente. Senão não resolvemos essa brecha maldita que temos aí.

CARTA MAIOR: Os Estados e os municípios fracassaram como agentes de políticas de Educação e Saúde?

CONCEIÇÃO: Fracassaram. Os caras não pagam nada. Essa é uma ideia que veio erradamente, de que a descentralização melhorava a democracia. A esquerda tinha aquela ideia maluca de que um governo federal forte era coisa da ditadura, e quis desmontá-lo. E daí a descentralização.Mas a realidade é que o município não consegue gastar nem o que deveria gastar nessas políticas. O estado em que se encontra nossa Saúde é uma vergonha. É uma vergonha o Estado em que estão nossos hospitais. Os Estados pegaram os hospitais federais e teve que voltar a ajudá-los, serão seria um descalabro. Tem que dar uma ajeitada na governabilidade, na gestão, na orientação estratégica do SUS e da Educação. Essa ideia de que o ensino fundamental e o secundário não dizem respeito ao governo federal é uma besteira. Os Estados e municípios sequer pagam nem aos professores, e a primeira política para melhorar a educação é pagar bem os professores. Treiná-los e pagá-los bem.

CARTA MAIORO governo federal desempenharia melhor essa função?

CONCEIÇÃO: Mas é evidente. Os programas estaduais e municipais de saúde não prestam para nada. É fundamental que a Saúde não seja estadualizada ou municipalizada. Pelo menos os hospitais de referência e as redes integradas de Saúde não podem depender dos prefeitos.
CARTA MAIOR: E a política de desenvolvimento e industrialização, como se faz?

CONCEIÇÃO: Tem que fazer um monte de coisas. Tem que fazer Ciência e Tecnologia, tem que fazer o PAC, que é o programa de infraestrutura, mas com encomendas do setor público para integrar as cadeias. Tem que forçar a barra em cima das multinacionais automobilísticas, de eletroeletricos, fármacos e química fina para que aumentem o coeficiente de nacionalização, que está muito baixo. E tem que olhar um pouco esse câmbio, que está muito ruim. Mas tem que olhar o câmbio com cuidado. Não se pode simplesmente fazer uma maxidesvalorização, pois isso seria provocar um choque inflacionário. Isso tem que ser progressivo: você baixa os juros e o câmbio vai subindo.

CARTA MAIORExiste um piso para os juros? É possível reduzir muito os juros com a poupança indexada?

CONCEIÇÃO: Pode baixar os juros o tanto que você quiser. O juro não é para a poupança, mas para a especulação e para o rentismo. A poupança é para os pobres. Não é possível manter uma taxa de juros tão disparatada quanto a nossa.Assim é impraticável. Uma maneira de combater o défici público é baixar os juros. Praticamente todo o déficit do Brasil é com juros. Nós temos superávit primário. O déficit nominal é todo resultante de juros. Tem que baixar. Estamos numa situação de ampla liquidez mundial e com taxas de juros mundiais praticamente a zero.

CARTA MAIORQue chances o Brasil tem de sair melhor dessa crise mundial?

CONCEIÇÃO: Boas. Essa crise tem uma coisa ruim, talvez seja mais pesada porque é mais prolongada. Mas temos um mercado interno grande em crescimento, o governo está fazendo uma política correta de salário mínimo, porque ela tem puxado os de baixo. As chamadas novas classes médias resultam do fato de que o grosso das remunerações dos salários no país estão em torno do mínimo. No governo Lula, houve um aumento de 60% no mínimo, o que resultou num aumento cavalar do poder de compra. 

O poder aquisitivo do salário mínimo tem que ser mantido. Não me venham com essa história de que a Previdência vai ter problemas, porque isso é bobagem. A Previdência vai ter problemas quando terminar a folga demográfica, o que vai acontecer só daqui a 10, 18 anos. Esse é um problema da distribuição de renda que é muito importante para o desenvolvimento.

CARTA MAIOR: E a balança comercial?

CONCEIÇÃO: Tem que forçar a barra das multinacionais. Elas estão abrindo e importando. Claro que também tem o câmbio, que precisa ser mexido, mas isso não basta. Como eles estão mal, em crise, querem exportar para cima da gente. Daí começa uma invasão de importados que pode piorar o mercado. O cenário externo, desse ponto de vista, pode piorar a situação externa. A gente tem que ficar atento. E tem que estimular o investimento privado na cadeia produtiva porque o investimento público está indo bem. 

CARTA MAIORO período que o país está vivendo tem paralelo em nossa história?

CONCEIÇÃO: Não tem nada parecido com isso, pois passamos anos e anos, antes disso, em hiperinflação.

CARTA MAIOR: Qual a avaliação que a senhora faz do governo Dilma?

CONCEIÇÃO: O Lula, no começo de seu governo, dadas as condições do país, foi de fato obrigado a fazer uma política econômica ortodoxa, mas depois ele deu uma confiança muito grande para o Palocci e aquele cara do Banco Central, que era um conservador de marca maior. Aí ele fez mal. Lula é muito bom para a política social, para a política externa, na ideia de soberania, mas essa coisa de economia ele não dá muita bola. A Dilma tem uma boa equipe econômica, inclusive as mulheres do Planejamento - aquelas mulheres são duras pra burro. Elas é que estão tocando a braços o PAC. Tem uma quantidade de mulheres duras nas subsecretarias que eu vou falar.

CARTA MAIORNa economia, então, Dilma está ganhando?

CONCEIÇÃO: Existe mais capacidade gerencial no Ministério do Planejamento e maior preocupação em fazer uma macroeconomia mais favorável ao crescimento, mais preocupação com o planejamento a longo prazo, e mais preocupação em fazer uma política econômica mais favorável ao crescimento. Essa é a diferença. O resto não tem diferença nenhuma.

CARTA MAIOR: A impressão que dá é que tem uma equipe econômica mais coesa, não é?

CONCEIÇÃO: É, pois é.

CARTA MAIOR: No governo Lula você tinha a política econômica de um lado e a política monetária de outro, é isso?

CONCEIÇÃO: É isso. Porque a presidenta é uma economista e uma gerentona. Nós temos uma presidente que é do ramo, e isso ajuda para burro. Eu sei porque ela foi minha aluna, ela é um brilho, ela é brilhantíssima. Além de ser firmona. Eu estou otimista, claro, frente à desgraça mundial. Eu posso estar nadando de braçada não estando, não é? Este ano, podemos chegar a 3% de crescimento, no ano que vem também não deve dar muito, mas você encaminhando os eixos estruturais do desenvolvimento, você tem condições de enfrentar bem a crise e ficar mais autônoma. E depois tem todos os recursos naturais, a possibilidade de fazer energia limpa etc.